quarta-feira, 1 de junho de 2011

Você utilizaria um touro Gir obtido através de cruzamento absorvente?

Você utilizaria um touro Gir obtido através de cruzamento absorvente?

Sim, eu o utilizaria, Francisco Ponces Cárdenas (pesquisador mexicano, criador de Gir Leiteiro)

Não o utilizaria, Edmardo Neves Pereira (professor universitário brasileiro, criador de Gir)

Em texto veiculado pelo espaço Planeta Cebu, o ex-professor e pesquisador da UNAM – Universidade Nacional Autônoma do México, criador de Gir Leiteiro desde 1978, no Rancho Jalpa, município de Buena vista Tomatlan, Michoacán, no México, faz o questionamento: Você utilizaria um touro gir obtido através de cruzamento absorvente? Sim, eu o utilizaria responde Cárdenas utilizando-se da seguinte argumentação.

Um geneticista americano cruzou um cão Dálmata que trazia patologias como: surdez, problemas de pele e cálculos renais com um Pointer Inglês que não padecia desses males. O resultado foi que os descendentes depois da quinta geração não apresentavam os males inerentes à raça Dálmata e não se diferenciavam em nada dos puros. Os criadores da raça Dálmata não os aceitaram como reprodutores alegando prejuízos para a pureza da raça.

O que há neste fato?, questiona Cárdenas. Ele mesmo responde: por um lado, um feito experimental muito interessante e instrutivo; por outro, uma atitude irracional devido ao apego a idéias muito questionáveis. Afirma ainda, que é na saúde, reprodução, viabilidade de crias, crescimento e eficiência de conversão que brilha a heterose, e, onde fraquejam as raças está presente a endogamia.

O que está por trás das idéias de pureza racial? Questiona novamente o pesquisador mexicano seguido de suas posições: equívocos, confusões e contradições.

Para Cárdenas, em genética não cabem palavras como: pureza, contaminações, certificados de origem, direitos e antiguidade. Estes vocábulos, continua, estão relacionados com a moral religiosa, substâncias químicas, alimentos, os corpos de água e ar na natureza, nas bebidas finas e nos direitos trabalhistas; e exemplifica: um composto é quimicamente puro quando somente os elementos que compõe o arranjo molecular que o caracteriza esteja presente sem que apareça nenhum outro elemento distinto. Se aplicarmos essa idéia a uma raça pura, esta teria que ter todos seus genes diferentes aos genes dos demais membros de sua espécie não compartilhando nenhum o que levaria a todos os membros desse grupo a ter uma composição genética entre eles. Não há teoria que assim o considere. Seguindo essa mesma linha de pensamento, existem aqueles que pensam no extermínio de uma raça cruzando-a com outra, como se os genes fundissem entre si e não houvesse possibilidade de separá-los novamente. Os genes se desintegram e se recombinam guardando sua identidade.

Para Cárdenas, existem raças e ponto. Antigas e novas; retilíneas e mistas em distintos percentuais, que, mediante a seleção, se pode convergir em novas raças; todas cumprem uma função importante e devem ser vistas ao mesmo nível. Criadores de raças que vendem em seus produtos o gene, e criadores que vedem carne e leite para o consumidor, sendo que este é o objetivo final da maioria dos criadores.

Sobre pureza racial afirma que o vigor híbrido não se deve a ela. Exemplifica a Girolando na produção de leite em função da heterose. Vai mais além: a pureza racial não pode perpetuar, pois a “pureza” implica certo grau de consangüinidade, e arremata: as idéias de que reproduzindo o melhor com o melhor e perpetuando a pureza, se chega a algo superior são idéias totalmente desacreditadas na atualidade, e que, já deveriam ter sido erradicadas em pleno século XXI, porém, não defende a idéia de cruzar tudo com todos para acabar com as raças, e sim preservar a diversidade genética para ser utilizada quando conveniente e de maneira adequada.

Por tudo isso, é que em resposta a indagação se utilizaria um touro obtido através de um cruzamento absorvente, disse que sim, o utilizaria, se esse touro de uma Girolanda de boa produção, cruzada em três gerações, mas com touros Gir Leiteiros PROVADOS e com boa progênie. Este touro tenderia seguramente a uma boa adaptação ao trópico e uma boa probabilidade de herdar produção leiteira. Por meio de seleção adequada se pode fixar estas características. Que mais se pode pedir?

Os seres humanos compartilham genes com os vegetais, as bactérias, os peixes, os monos e com o “Gir puro de origem”, concluiu Cárdenas.

Em texto veiculado no mesmo espaço, Planeta Cebu, o Professor Titular de Física da Universidade Federal de Uberlândia, Estado de Minas Gerais, Brasil, Edmardo Naves Pereira, criador de Gir desde 1979, na Fazenda Cocal, Município de Indianópolis, a 14 quilômetros de Uberlândia, vai à réplica afirmando que não usaria um touro Gir obtido por cruzamento absorvente.

Não usaria um touro mesclado com outras raças, afirma Edmardo. Quero manter o modelo vivo do Gir da região de kathiawar, que trás consigo milhares de anos de seleção funcional e racial. Sinto em mim a responsabilidade de cuidar e conservar da melhor maneira possível para que o Gir deixe de evoluir em funcionalidade e pureza racial. Trabalhar com touros Gir puros não significa destruir o enorme potencial leiteiro que a raça possui. São todas as vacas do mesmo Gir boas para leite, tanto do Gir leiteiro como o de dupla aptidão. É comum dizer que os criadores tachados de puristas estão parados no tempo; que são arcaicos. Ao contrário, estamos atentos no que se refere a potencialidade leiteira sem perder a pureza racial. Se não fosse a abnegação de alguns criadores de animais puros a raça havia desaparecido (abnegação tanto dos leiteiros como de os de dupla-aptidão).

Manter o Gir em sua pureza, é a garantia para a manutenção das cruzas com outras raças, coisa que vem ocorrendo em grande escala com a raça holandesa. Não sou partidário de obtenção de um touro Gir em cruzamentos absorventes, por exemplo, partindo de holandês puro, com certeza ressucitará a pelagem e a caracterização da raça Gir. A pureza racial precede a absorção, pois a absorção tem como ponto de partida a pureza racial.

O gado Gir saiu dos “santuários indianos”? Por que preservar sua pureza racial? Tem que existir alguém que preserve a pureza para não deixar sucumbir a raça. São essas pessoas abnegadas quem garantem a semente para manter o Gir puro, para aqueles que praticam os trabalhos de absorção. Vários animais que vieram para o Brasil tinham raça pura, pois, estiveram confinados nos terrenos de alguns marajás. Por exemplo, na importação de Celso Garcia é aonde concentro a maior parte do eu trabalho. O Gir puro nunca entrará em crise, pois sempre haverá vendedores de leite. Um touro Gir obtido por absorção pode ser um bom produtor de leite, mas, não significa garantia de leite e caracterização racial em sua descendência (pode levar a degeneração da raça). Quero dizer, que não estou contra quem use um touro por absorção. Como defensor da raça pura, eu não o usaria.

Antes de um comentário sobre ambos os textos gostaria de fazer algumas considerações:

A – Não domino a língua espanhola em que os textos foram escritos;
B – Não sou habilitado ou graduado nos saberes genéticos;
C – Criador de Gir desde o ano de 1985 e Nelore 2007, bibliófilo e professor de História.

A idéia defendida pelo pesquisador Cárdenas contextualiza-se na visão americana para a qual o melhoramento genético tem como objetivo, em absoluto, o lado comercial. Na América não existe a cultura da preservação muito bem explicitada pelo professor Edmardo.

Cárdenas parte da experiência de um geneticista americano utilizando-se de duas raças de cães: uma de patologia congênita em cruza com outra sem essa patologia e que, após a quinta geração, em nada se diferencia fenotipicamente (os indivíduos) da primeira, com uma vantagem na visão do pesquisador, sem a patologia congênita.

Com relação à zootecnia coloca o vigor hibrido como a incontestável ferramenta para o melhoramento genético, todavia, observando que não defende a idéia de cruzar tudo com todos para acabar com as raças, mesmo porque isso seria um crime contra as gerações futuras e porque não dizer contra a humanidade. Conscientes que somos de que a morte humana é uma situação “sine qua non” para a perpetuação da espécie é que surgiu na ciência o que denominamos de ética. Valor este ao qual o professor Edmardo não abre mão.

Um Banco de Germoplasma Gir se faz necessário, mas não a ponto de liberar geral. Hoje o Planeta depende de vários biomas para a sua sobrevivência. E por que essa pressão sobre o bioma amazônico? Se através de um Banco de Germoplasma pode-se reconstituir o que foi destruído, por que as comunidades do hemisfério norte não reconstroem os seus? O processo não é bem simplista assim.

Concordo com o pesquisador Cárdenas quando diz que criadores de raça vendem genética e os criadores de cruzamentos vendem leite e carne para o consumidor, e que este é objetivo final da maioria dos criadores. Inquestionável!

A fala do pesquisador Cárdenas me leva a uma posição assumida pelo doutor João Gilberto Rodrigues da Cunha, então presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), no ano de 1989, na abertura do Simpósio Especial Sobre a Raça Gir, promovido pela Associação Brasileira dos Criadores de Gir (ASSOGIR), na cidade de Uberaba, Minas Gerais:

“a toda essa pecuária zebuína, cujo passado extraordinário conseguiu firmar racialmente todas as raças eu diria: o passado consolidou posições de pureza racial, o futuro nos reserva a eficiência racial. Espero que todos aqui, no estudo da raça Gir, tenham presentes esses objetivos futuros. A outra convicção pessoal é que, no final deste século, grandes mudanças vão ocorrer na destinação da pecuária seletiva. É impossível um país tropical como o nosso pretender ter um milhão de selecionadores de sementes zebuínas puras. Aqueles que se dedicam ao Zebu selecionado sabem que a semente pura exige um trabalho de dedicação, um trabalho artesanal, aquilo que o velho Rodolfo machado fazia assistindo a vaca parir o seu bezerro, assistindo os seus primeiros passos e a primeira mamada. Era aquela presença constante dentro de seu negócio, aquela participação nos resultados! Esse trabalho artesanal é impossível para um milhão de criadores e nem é necessário. Nós sabemos que a grande necessidade do final do século vai ser a quantidade de produção: a produtividade! Eu tenho a convicção de que o numero de selecionadores de animais puros vai diminuir, em benefício dos criadores de cruzamentos, quer industriais para corte, quer para a finalidade leiteira, e, nos dois sentidos, eu acredito que a raça Gir tem importante colaboração a dar. Isso já aconteceu na agricultura. Aqueles que estiveram acompanhando a vida do milho híbrido sabem que o milhozinho Cateto abandonado no passado, passou a ser essencial na produção de um milho híbrido resistente. Coisas desse tipo certamente acontecerão na pecuária. Nós temos necessidade de presenciar todas as sementes puras, pois, às vezes, aquela que não é necessariamente a mais eficiente quando isolada, poderá transportar resultados extremamente desejáveis nos cruzamentos.” Um vaticínio!

O conceito de raça pura pode até ser contestado, com o fez o pesquisador Cárdenas, mas o de raça não. A lógica não aceita duas raças iguais. Só existe uma raça Gir sobre a qual as expressões, “dupla-aptidão” e “leiteira”, são utilizadas para designar sua finalidade econômica. Tanto uma como outra, se utilizado o cruzamento absorvente para a conquista de sua atividade econômica, não deveria utilizar-se do nome GIR. Um simples exame de DNA aferindo o grau de sangue zebuíno resolveria o problema. Com a palavra os criadores de gir.

Luiz Humberto Carrião

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