sábado, 4 de junho de 2011

Um breve estudo sobre a Raça Gir

Um breve estudo sobre a Raça Gir

Carl Von Linné (1707 – 1778) apresentou à sociedade científica do seu tempo a Taxonomia, ciência que classifica os organismos vivos, unificando a linguagem de numerosos taxonomistas em países diferentes. A Taxonomia estabelece regras para dar nomes aos animais, a partir do trabalho apresentado por Linné, botânico, zoólogo e médico sueco, em 1758.

Os nomes dos animais devem ser escritos em latim.

Todo animal tem obrigatoriamente dois nomes no mínimo. O primeiro é o gênero e o segundo o da espécie

O nome do gênero deve ser sempre escrito com inicial maiúscula e o da espécie com inicial minúscula

Quando se dá o nome específico em homenagem a uma pessoa, acrescenta-se a letra “i” no sobrenome do homenageado se for do sexo masculino

Quando o homenageado for feminino, acrescentam-se as letras “ae” ao sobrenome

Quando existe subgênero o seu nome deve ser escrito depois do nome do gênero, entre parêntesis, e sempre com inicial maiúscula

Se um gênero ou espécie foi descrito mais de uma vez, deve-se sempre usar o primeiro nome que o animal foi descrito, mesmo que seja errado. É a Lei da Prioridade

Quando existe subespécie, o seu nome deve ser escrito depois do da espécie e sempre com inicial minúscula.

O nome dos animais deve ser grifado ou deve se usar um tipo de letra diferente ao texto; em geral se usa o negrito ou caracteres itálicos.

Classificação taxonômica: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero, Espécie, Subespécie ou Raça.

Reino: Animalia (animal ou Metazoa) é composto por seres vivos pluricelulares, heterotróficos, cujas células formam tecidos biológicos, com capacidade de responder ao ambiente que os envolve ou, por outras palavras, pelos animais.

Filo: Chordata (abrange animais adaptados para a vida em água doce, salgada, terra e ar).

Classe: Mammalia (mamíferos) formam o grupo mais evoluído e mais conhecido dos Chordata.

Ordem: Artiodactyla (constitui uma ordem de mamíferos ungulados (divisão de mamíferos que compreende os animais de casco) com um número de par de dedos nas patas.

Família: Bovinae (constitui uma famílias de mamíferos ruminantes, a qual pertence animais domésticos como ovelha, cabra, boi e selvagens como antílopes e bisontes.

Gênero: agrupamento de organismos vivos/fósseis para agrupar um conjunto de espécies que partilham um conjunto muito alargado de características morfológicas e funcionais, um genoma com elevadíssimo grau de comunalidade e uma proximidade filogenética muito grande, refletida para existência de ancestrais comuns muito próximos.

Espécie: é um conceito fundamental da Biologia que designa a unidade básica do sistema taxonômico utilizado na classificação dos seres vivos. Estrutura-se em torno da constituição de agrupamentos de indivíduos (os espécimes) com profundas semelhanças estruturais e funcionais recíprocas, resultantes da partilha de um cariótipo idêntico, expresso numa estrutura cromossômica das células diplóides similar, que lhes confere acentuada uniformidade bioquímica e a capacidade de reprodução entre si, originando descendentes férteis e com o mesmo quadro geral de caracteres, num processo que, quando envolva um organismo sexuado deve permitir descendentes férteis de ambos os sexos.

Subespécie ou Raça: É uma subdivisão da espécie. Normalmente isso ocorre quando duas ou mais populações de uma mesma espécie se separam indo viver em regiões diferentes e por ficarem separados por barreiras geográficas por muitas gerações e não existindo trocas de genes entre essas populações isoladas umas das outras.

Os grupos isolados uns dos outros sofrem mutações com o tempo e assim aparecendo diferenciações genéticas e surgimento de novas subespécies ou raças nessa mesma espécie.

Então:

Reino: Animalia

Filo: Chordata

Classe: Mammalia

Ordem: Artiodactyla

Família: Bovidae

Gênero: Bós

Espécie: Bós Taurus

Subespécie ou Raça: Bos Taurus indicus (Gir, Guzerá, Nelore, Cangaian)

“Raça não é uma palavra claramente definida. Já com “espécie” é diferente. Existe um fato consensual de decidir se dois animais pertencem a uma mesma espécie: eles podem intercruzar-se? Obviamente não podem se pertencer ao mesmo sexo, ou se for jovem ou velho demais, ou se ainda por acaso um deles for estéril. Mas essas são filigranas, minúcias fáceis de contornar. [...]” (Dawkins, 2009, p. 464).

“O critério do intercruzamento confere a uma espécie um status único na hierarquia dos níveis taxonômicos. Acima do nível da espécie, o gênero é apenas um grupo de espécies bem semelhantes uma das outras. Não existe nenhum critério objetivo para decidir quanto elas têm de ser semelhantes, e o mesmo se aplica a todos os níveis superiores: família, ordem, classe, filo e os vários nomes como “sub” ou “super” que entremeiam essas categorias. Abaixo do nível das espécies, “raças” e “subespécie” são classificações usadas de modo mais ou menos permutável, e também nesse caso inexistem critérios objetivos que nos permitam decidir se dois indivíduos devem ou não ser considerados membros de uma mesma raça e que nos digam quantas raças existem. E temos ainda, obviamente, a complicação adicional, ausente acima do nível das espécies, de que as raças se intercruzam: por isso existem muitos indivíduos de raça mista.” (Dawkins, 2009, p. 464)

“Presume-se que as espécies, em sua trajetória para se tornarem suficientemente separadas a ponto de não poder intercruzar-se, passam em geral por um estágio intermediário no qual são raças separadas. Raças distintas poderiam ser consideradas espécies em formação, exceto pelo fato de que não existe necessariamente a expectativa de que o processo continue até o seu final - a especiação.” (Dawkins, 2009, p. 464).

Existem quatro tipos de especiação que os evolucionistas identificam como as explicações mais prováveis:

No caso da especiação alopátrica, as fronteiras geográficas reais separam as espécies fisicamente. Um rio ou uma cordilheira, por exemplo, podem causar a divergência de uma espécie.

Na especiação parapátrica, uma espécie se espalha em áreas grandes com ambientes diversificados. Eles se adaptam a essas novas áreas e, gradualmente, tornam-se espécies distintas. Não há uma característica geográfica definida que separe esses animais; eles podem se tornar espécies distintas simplesmente por causa da distância entre os grupos.

A especiação peripátrica ocorre quando um pequeno grupo se isola do núcleo principal da espécie. Como esse grupo é apenas uma pequena parte da população total da espécie, todas as diferenças genéticas que tornam a espécie robusta podem estar ausentes. Isso constitui o que os biologistas evolucionários denominam efeito gargalo. Alguns dos genes que fluem dentro de uma espécie foram eliminados e separados do conjunto genético.

No caso da especiação simpátrica, os membros de uma espécie continuam vivendo lado a lado, mas separados em espécies diferentes.

Em cada um desses tipos de especiação, a espécie deve passar pelo processo de isolamento reprodutivo. Ora esse isolamento, por qual seja a causa, definiu características visuais capazes de identificar o que se convencionou chamar de raça zebuína, Gir, Guzerá, Nelore, Cangaian etc.

O conceito da superioridade racial do povo alemão exaltada pelo nazismo hitleriano através da associação com a raça ariana (do sânscrito Arya = nobre) provocou traumas irreparáveis e profundos à Humanidade, dentre os quais as experiências genéticas de Josef Mengele, em Auschwitz. Isto de certa forma ascendeu a chama da Ética sobre a ciência levando a “questão raça” como algo destrutivo às relações sociais e humanas. Dawkins coloca o dedo na ferida:

“Todos nós podemos concordar tranquilamente em que a classificação racial dos humanos não tem valor social e é inegavelmente destrutiva para as relações sociais e humanas. Essa é uma das razões da minha objeção a assinalar alternativas em formulários e á discriminação nas seleções de emprego. Mas isso não significa que raça “praticamente não tem significância genética ou taxonômica”. É isso que Edwars está querendo dizer, e sua argumentação é que, por menor que seja a parcela racial na variação total, se as características raciais que existem forem altamente correlacionadas com outras características raciais, elas são por definição, informativas e, portanto, têm significância taxonômica.” (Dawkins, 2008, p. 472)

“Informativas têm aqui uma acepção bem precisa. Uma afirmação informativa é aquela que nos diz algo que desconhecíamos. O teor de informação existente em uma afirmação é medido pelo quanto ela reduz a incerteza prévia. Por sua vez, a redução da incerteza prévia é a medida com base na mudança das probabilidades. Isto nos dá um modo de tornar matematicamente preciso o conteúdo informativo de uma mensagem, mas não precisamos nos incomodar com isso. Se eu disser que João é do sexo masculino, você saberá de imediato uma porção de coisas sobre ele. Sua incerteza prévia sobre a forma de genitália de João será reduzida (embora não eliminada). Você saberá fatos que antes desconhecia a respeito dos cromossomos, dos hormônios e de outros aspectos da bioquímica desse indivíduo, e haverá uma redução quantitativa em sua incerteza prévia quanto ao tom de voz, a distribuição dos pelos faciais, da gordura corporal e da musculatura de João. [...]” (Dawkins, 2009, p. 473)

“Agora, a questão da raça. E se disser que Suzana é chinesa, em quanto a sua certeza prévia se reduzirá? Agora você apostará que ela tem cabelos lisos e pretos (ou que um dia foram preto), uma prega de pele epicântica na extremidade interna das sobrancelhas e mais algumas outras características.” (Dawkins, 2009, p. 473).

Se eu disser a um pecuarista que sou criador de Zebu, muitas das incertezas prévias com relação a mim serão reduzidas. Por exemplo, que crio gado de origem indiana, caracterizado pelos chifres e a giba. Se indagado se é “gir leiteiro” e eu digo não, crio Gir, mais incertezas reduzidas, ou seja, seus conhecimentos mostrarão que crio um animal que morfologicamente apresenta uma convexidade de crânio ao formato de um ovo; chifres saindo na linha dos olhos, para baixo e para trás, orelha em forma de cartucho com uma dobra acentuada na ponta, o gavião; olhos serpenteados; chanfro médio, narinas e bocas grandes, mucosas pigmentadas, barbela, cupim avantajado nos machos, e delicado nas fêmeas, ambos em forma de castanha; diversidade de pelagem, temperamento dócil, de andar sincopado onde os rastos dianteiros servem de referência aos traseiros; rabo fino e longo, onde a vassoura varre os rastos; cisterna (depósito animal de leite) acima dos jarretes, etc..

Por que essa definição por parte de meu interlocutor? Por ser este o padrão racial elaborado pelos Técnicos do Registro Genealógico para servir de referência ao julgamento para o registro efetivado a partir de 1938. Porque este foi o Gir que veio da índia. Provavelmente, criado pelo seu pai e por seu avô.

Suzana e o Gir foram incertezas prévias reduzidas na questão raça, em função da presença visual de caracteres por eles herdados presentes na maioria da população as quais pertencem e que, encontram-se armazenados no inconsciente coletivo.

Caracteres visuais que fogem ao padrão racial não podem ser considerados filigranas, algo sem importância, porque podem aparecer em progênies futuras. O mesmo se pode dizer aos animais efetivados através de cruzamentos absorventes. Nestes casos, especificamente, esse indivíduo volta a compor a classificação taxonômica contextualizada na espécie, que se isolada reprodutivamente, irão fixar esses caracteres dando origem a outro padrão visual, originando outra raça.

Com isso, qual a conclusão que se chega com relação ao padrão racial criado pelos selecionadores de “gir leiteiro”? Num primeiro plano, o retrocesso à classificação taxonômica denominada espécie, e, assim que efetivado esses caracteres através do isolamento reprodutivo de sua população, esse padrão será fixado criando assim uma nova raça que não a Gir.

Se esse padrão adveio através de cruzamentos absorventes com a espécie Bós Taurus taurus (européia) trata-se de um subproduto da raça Gir, obtido através do que se denomina cruzamento industrial, que também o exclui como raça Gir.

“O DNA mitocondrial também pode ser revelador, particularmente para padrões muito antigos. Se compararmos o DNA mitocondrial do leitor com o meu, poderemos determinar há quanto tempo eles compartilham uma mitocôndria ancestral. Como todos nós herdamos nossas mitocôndrias de nossa mãe, e, portanto, das avós maternas, bisavós maternas etc., as comparações mitocondriais podem nos dizer quando viveu nossa ancestral mais recente pela linha feminina. O mesmo pode ser feito com os cromossomos Y para determinar quando viveu nosso ancestral mais recente pela linha masculina, mas, por razões técnicas, isso não é fácil. A beleza do DNA do cromossomo Y e do DNA mitocondrial está em que nenhum deles é contaminado por mistura sexual. Isso facilita buscar a origem dessas classes especificas de ancestral.” (Dawkins, 2009, p. 77)

Na comparação do DNA mitocondrial e do cromossomo Y de dois “indivíduos ditos gir”, o que se pode determinar é o quanto de tempo que eles compartilham uma mitocôndria ancestral e quando viveu a ancestral mais recente pela linha feminina, o mesmo podendo ser feito com o cromossomo Y com relação à ancestralidade masculina.

Tomando como probabilidade de que toda espécie zebuína (Bos Taurus índicos) veio de uma ancestralidade comum, é pouco provável que o DNA mitocondrial e do cromossomo Y venham determinar sobre o fator racial.

Mais uma vez, o quesito raça passa a ser efetivado a partir de caracteres externos expressos em um indivíduo. O que se pode aferir através do DNA mitocondrial e do cromossomo Y é se esse indivíduo possui miscigenação entre as espécies Bós Taurus indicus e Bós Taurus taurus.

A importância do indivíduo é reconhecida pelos geneticistas, apenas como veículo da sobrevivência de genes, que são definidos como cada uma das partículas cromossômicas, mais ou menos independentes entre si, que encerram os caracteres hereditários.

Como se pode ter reprodução e linhagem, esta no sentido de linha de parentesco ascendente e descendente, mas não hereditariedade? Essa é a lição que o fogo nos ensina.

“A verdadeira hereditariedade significaria a herança não do fogo em si, mas das variações entre os fagos. Alguns são mais amarelos, outros mais avermelhados. Alguns rugem, outros crepitam, outros ainda sibilam, soltam fumaça, cospem. Há os que possuem laivos de azul ou verde nas chamas. Nossos ancestrais, caso tenham estudados seus lobos domesticados, hão de ter notado uma diferença reveladora entre as linhagens de cães e linhagens de fogo. Nos cães, semelhante gera semelhante. Pelo menos parte que distingue um cão de outro é transmitida por seus pais. É obvio que existem também as influências externas: alimentação, doenças e acidentes. No caso do fogo, todas as variações provêm do meio, nenhum descendente de uma fagulha progenitora. As variações resultam da qualidade e umidade do combustível, da direção e força do vento, da tiragem da lareira, do solo, de vestígios de cobre e potássio que adicionam toques verde-azulados e lilases à chama amarela do sódio. Em contraste com o cão, nada na qualidade de um fogo adulto chega por intermédio da fagulha que o originou. Fogos azuis não geram fogos azuis. Fogos crepitantes não herdam a crepitação do fogo-pai que cuspiu sua fagulha iniciadora. Os fogos apresentam reprodução sem hereditariedade.” (Dawkins, 2009, p.646).

“A história é a majestosa Torre da Experiência que o tempo erigiu no espaço infindo dos anos decorridos. Não é fácil tarefa alcançar o cimo desse antigo edifício e gozar da vista dum panorama completo; não há ali elevador, mas os moços têm os pés fortes e podem tentar-lhe a ascensão. Aqui vos dou a chave que vós abrirá a porta. Quando voltardes, compreendereis a razão do meu entusiasmo”. (Loon, 1953, p. 9)
Referências Bibliográficas

Dawkins, Richard. A grande história da evolução: na trilha dos nossos ancestrais / Richard Dawkins ; com colaboração de Yan Wong ; tradução Laura Teixeira Motta. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Loo, Hendrick Willen Van. História da Humanidade / Hendrick Willen Van Loo ; Tradução Marina Guaspari. – Porto Alegre, 1953.

Luiz Humberto Carrião
Publicado no www.girpontocom.blogspot.com em 4/junho/2011

Um comentário:

  1. Quanto das intensificações das discussões entre o "Gir" x "Gir Leiteiro" na ABCZ, onde tomava-se como referência o padrão-racial, e diante dos estudos elaborados pelo PMGRG/ASSOGIR - Programa de Melhoramento Genético da Raça Gir - que mostrava a impossibilidade de aferir através do exame de DNA mitocondrial ou mesmo do cromossoma Y o fator raça, uma vez que ambos, mitocondria e cromossomo Y, não se contaminam sexualmente, o então diretor Paulo Ferolla apresentou à mesa uma sugestão para que o denominado de "Gir Leiteiro" fosse registrado como "Zebu Leiteiro", raça em formação. Achei interessantíssima a ideia, uma vez que essa nomenclatura levaria na taxonomia à condição de Espécie e, com isso, abriria um leque de cruzamentos entre o "Bós-Taurus-indicus" para a correção de alguns aspectos do "leiteiro", como por exemplo, à época, a questão do tamanho e feito isso, isolar-se-ia (especiação) o grupo até que indivíduos desse mesmo grupo viessem a ser utilizados como reprodutores, o que levaria a fixação de caracteres visuais, que determinariam a classificação como raça. Se dentro dos padrões raciais da gir, GIR; se não, que fosse batizada de outro nome que não GIR. Porém os "leiteiros" não abriam a mão da palavra GIR em seu Composto e a ABCZ recuou. O resultado está aí. Hoje, temos vacas dentro do padrão que (se aditivadas) competem de igual para igual com as vacas denominadas de "gir leiteiro". Ora, um fator que venha ser determinante à classificação de uma população como raça, não pode ser medido através de arranjos artificiais. Como também não é correto defender a prevalência do padrão utilizando-se das mesmas armas na elaboração do Composto Leiteiro Zebuino. Ou se mantém a coerência com aquilo que acredita ou cala-se para sempre. Interessante a posição levantada pelo Ramilton Rosa. Não temos como idenficar erros de maneira unilateral, vamos refletir sobre isso!
    *identificar
    Luiz Humberto Carrião

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