Agravo de Instrumento - Acidente de veículo - Ação de indenização. Decisão que nega os benefícios de gratuidade ao autor, por não ter provado que menino pobre é e por não ter peticionado por intermédio de Advogado integrante do convênio OAB/PGE. Inconformismo do demandante. Faz jus aos benefícios da Gratuidade de Justiça menino filho de marceneiro morto depois de atropelado na volta a pé do trabalho e que habitava castelo só de nome na periferia,sinais de evidente pobreza reforçados pelo fato de estar pedindo aquele u’a pensão de comer, de apenas 1 Salário Mínimo, assim demonstrando, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, que o que nela tem de sobra é a fome não saciada dos pobres. A circunstância de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto de pureza do causídico; ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os Advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos... Recurso provido (TJSP - 36ª Câm. de Direito Privado; AI nº 1001412-0/0-Marília-SP; Rel. Des. Palma Bisson; j. 19/1/2006; v.u.).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos, os Desembargadores desta Turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o Relatório e o Voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, deram provimento ao Recurso, por votação unânime.
Palma Bisson
Relator
RELATÓRIO
O menor impúbere ..., filho de marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta na volta a pé do trabalho, fez-se representado pela mãe solteira e desempregada e por Advogado que esta escolheu, para requerer em Juízo, contra R. S. M., o autor do atropelamento fatal, pensão de 1 Salário Mínimo mais indenização do dano moral que sofreu (fls. 13/19).
Pediu gratuidade para demandar, mas esta lhe foi negada por não ter provado que menino pobre é e por não ter peticionado por intermédio de Advogado integrante do convênio OAB/PGE (fls. 20).
Inconforma-se com isso, tirando o presente Agravo de Instrumento e dizendo que bastava, para ter sido havido como pobre, declarar-se tal; argumenta, ainda, que a sua pobreza avulta a partir da pequeneza da pensão pedida e da circunstância de habitar conjunto habitacional de periferia, quase uma favela.
De plano antecipei-lhe a pretensão recursal (fls. 31 e V), nem tomando o cuidado, ora vejo, de fundamentar a antecipação.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do Recurso
(fls. 34/37).
É o relatório.
VOTO
Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele - com o indeferimento da gratuidade que você perseguia.
Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria
do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar.
Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora.
É uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que
me vêm a julgamento disfarçadas de Autos processuais, tantos são os que nestes veem apenas papel repetido.
É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você, menino, desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São os marceneiros nesta terra até hoje, menino, saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o Julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era.
Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que
qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante.
E se tornava para descansar em casa posta no C. H. M. C., no castelo
somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir
pensão de apenas 1 Salário Mínimo, pede não mais que para comer.
Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte, um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com Defensor particular.
O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés, a nele divisar um gesto de pureza do causídico.
Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como
me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os Advogados dos pobres para defendê-lo?
Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu Agravo de Instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro voto.
Palma Bisson
Relator
Agravo interposto pelo Colega Alfredo Stipp, decisão acertada ao caso.
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