TEMAS POLÊMICOS SOBRE A LEI 12.403/11
*** PROFESSOR FLÁVIO MARTINS
Desde o dia em que a nova lei de prisões (Lei 12.403/11) foi
publicada, temos feito comentários pontuais. Duas dúvidas podem surgir:
a) a nova lei de prisões (lei 12.403/11) é uma lei processual ou uma
norma mista? b) a nova lei de prisões (lei 12.403/11) pode ser aplicada
durante a “vacatio legis”? Vamos tentar respondê-las.
a) A nova lei de prisões é processual ou mista?
Essa pergunta é extremamente importante para sabermos qual o
critério de aplicação da lei no tempo. Sendo uma norma processual,
aplicar-se-á o artigo 2o, do Código de Processo Penal, aplicando a nova
lei imediatamente aos processos em curso. Tratando-se de uma norma
penal mista (de cunho processual e penal, ao mesmo tempo), teríamos
que analisar separadamente seus dispositivos, verificando quais são de
natureza penal e quais são de natureza processual.
Entendemos que a nova lei de prisões (lei 12.403/11) é uma norma
puramente processual, apesar de, em certos momentos, afetar o direito à
liberdade.
Dessa maneira, entendemos que a nova lei de prisões (lei
12.403/11) deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, não
importando se o crime foi praticado antes da sua vigência.
Cuidado: não é por envolver a liberdade do agente, que a norma
automaticamente se torna mista. Esse erro foi cometido por Luiz Flávio
Gomes, quando, ao tratar da revogação do Protesto por novo Júri (recurso
extinto do processo penal em 2008), disse tratar-se de uma norma mista,
dizendo: “Porém, quando há a supressão de um recurso específico, é
preciso atentar que a figura toma outra dimensão (material), pois de
qualquer forma há supressão de um direito” (http://migre.me/4EBoz).
Ora, com a devida vênia, toda norma processual tem reflexos
penais (aliás, a imposição de uma pena não é o objetivo do processo
penal?). Adotada essa tese errônea, mudanças na citação, nos recursos, no
procedimento, seriam consideradas normas mistas, porque têm reflexos
penais.
Aliás, compartilham de nosso entendimento vários tribunais.
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Habeas
Corpus. Protesto por novo júri. Alegação de que ao tempo do crime
ainda vigia dispositivo legal permitindo o recurso. Entendimento de o
novo preceito não se aplica ao caso, frente ao princípio da
irretroatividade da lei penal mais gravosa, por se tratar de norma de
conteúdo material ligada à ampla defesa. Inadmissibilidade do pleito.
Inteligência do artigo 2°, do CPP, que prevê a imediata aplicação da lei
processual penal. Ampla defesa garantida, inclusive porque previsto
recurso de apelação na lei vigente. Constrangimento ilegal não
evidenciado. Ordem denegada” (Habeas Corpus 990092575457, Pinheiro
Franco, Taubaté, 5ª Câmara de Direito Criminal, DJ 17.12.2009)
Nesse mesmo sentido, entendendo que o protesto se trata de norma
processual penal e, portanto, somente aplicável às decisões prolatadas até
dia 9 de agosto de 2008, veja as seguintes decisões do Tribunal de
Justiça: Apelação criminal n° 99009077729/0 (Comarca: Sorocaba-
Processo n° 762/2002 -, Juízo de Origem: Iª Vara Criminal, Órgão
Julgador: Quarta Câmara Criminal, Apelante: Eliomar Costa Leite,
Apelado: Ministério Público); Revisão Criminal 993070007613 –
(1126262370000000, Relator: Galvão Bruno, Comarca: São Paulo, Órgão
julgador: 5º Grupo de Direito Criminal, Data do julgamento: 05/02/2009,
Data de registro: 13/03/2009); Apelação 990090777290 (Relator:
Euvaldo Chaib, Comarca: Sorocaba, Órgão julgador: 4ª Câmara de
Direito Criminal, Data do julgamento: 06/10/2009, Data de registro
29/10/2009).
Nesse mesmo sentido, decidiu o STJ: Cumpre ressaltar que a
norma exclusivamente processual, como é o” caso do dispositivo em
questão, se submete ao princípio tempus regit actum, ou seja, a lei
processual penal deve ser aplicada a partir de sua vigência, conforme
preconizado no art. 2.º do Código de Processo Penal, in verbis: "A lei
processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos
realizados sob a vigência da lei anterior." Assim, a norma que exclui
recurso tem vigência de imediato, sem prejuízo dos atos já praticados.
Vale observar que, para a aferição da possibilidade de utilização de
recurso suprimido, a lei que deve ser aplicada é aquela vigente quando
surge para a parte o direito subjetivo” (REsp 1094482/RJ, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe
03/11/2009).
Diante de todo esse cenário, não cometamos o mesmo erro de
outrora. A lei 12.403/11 trata-se de uma lei processual, motivo pelo qual
se aplica o princípio tempus regit actum (a nova lei processual será
aplicada aos processos em curso, não importando se beneficia ou não o
réu.
b) a Lei 12.403/11 aplica-se durante a “vacatio legis”.
Via de regra, as leis só podem ser aplicadas depois de sua entrada
em vigor, ou seja, apos a sua “vacatio legis”.
A “vacatio legis”, prevista na Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro (antigamente denominada Lei de Introdução ao Código
Civil), tem a função de dar à população a possibilidade de se adaptar à
nova lei, bem como aos juristas e demais aplicadores do Direito.
Não obstante, não é nova a questão: poderíamos aplicar uma nova
lei que beneficia de alguma forma o réu? Poderíamos dar duas posições
diversas:
a) NÃO É POSSÍVEL. A lei, durante a “vacatio legis” ainda não está
em vigor. Aplicá-la consistiria num risco muito grande, haja vista que ela
pode ser revogada, durante esse Período de “vacatio legis”. Foi
exatamente o que ocorreu com o “Código Penal de 1969”, de Nelson
Hungria, que morreu, antes mesmo de ter nascido. Assim, aplicar a nova
lei durante o período de “vacatio” feriria a segurança jurídica.
b) É POSSIVEL. Durante a “vacatio”, a lei está pronta. Apenas
devemos esperar um determinado prazo para aplicá-la aos casos
concretos. Não é razoável, por exemplo, deixar o réu preso
preventivamente por 60 dias, se existem meios alternativos mais eficazes
e mais benéficos, que só entraram em vigor depois de um mês, por
exemplo. Nelson Hungria dizia: ä lei em Período de vacatio não deixa de
ser lei posterior, devendo, pois, ser aplicada, desde logo, se mais
favorável ao réu”(Comentários ao Código Penal, 5 ed., vol I, 1977). No
mesmo sentido, Alberto Silva Franco: “Não é necessário, em verdade,
nenhum Período de tempo, alem da publicaç!ao da lei, para que um
numero restrito de pessoas – juízes e réus processados ou condenados –
tomem ciência da norma penal que descriminaliza fato delituoso ou que
dê ao agente tratamento punitivo mais mitigado” (Código Penal e sua
interpretação Jurisprudencial. P. 78). No mesmo sentido, Eduardo
Espínola, mencionando a doutrina espanhola: “só impede a aplicação
imediata, desde o dia da publicação, em se tratando de leis preceptivas e
proibitivas, não assim das permissivas ou facultativas” (Sistema de
Direito Civil Brasileiro, 1960).
Nesse sentido, a jurisprudência brasileira já se manifestou outrora:
“Vacatio legis não é um tempo destinado à maturação da lei, ou uma
espera de algum ato de sua modificação A lei está pronta, completa.
Destina-se a vacatio legis tão-somente às adaptações necessárias a que as
modificações introduzidas pela lei nova contem com o aparelhamento
indispensável à sua aplicação e torná-la conhecida” (TACRIM-SP – AC –
Rel. Adauto Suannes – RT 595/370).
No nosso entender, apesar de imaginar ser muito difícil um juiz
aplicar a nova lei 12.403/11 durante a “vacatio legis”, entendemos essa
ser Possível, diante dos motivos acima expostos.
*** (Professor de
Direito Constitucional e Direito Processual,
Um dos apresentadores do programa “Prova
Final” da TV Justiça, Coordenador do curso
de Direito do Centro Unisal de Lorena, nos
biênios 2005-2006, 2007-2008 e no ano de
2009 Mestre em Direito Público e Especialista
em Direito Processual. Autor de vários livros,
dentre eles "REMÉDIOS
CONSTITUCIONAIS", 3a edição, editora
Revista dos Tribunais.)
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