terça-feira, 29 de junho de 2010

Entrevista - Fusões e Aquisições

Entrevista

"Análises de mudanças de controle devem ter por base diretrizes"

Por Andréa Háfez

28|06|2010

Nelson Eizirik

As indefinições causadas em operações de mudanças de controle _ como em fusões e aquisições _ não são exclusividade do mercado brasileiro. Outros, com mais tempo de maturidade e com uma freqüência maior de ocorrências dessas operações, também tiveram dificuldades em verificar se os processos correram da melhor forma possível, não só considerando a legislação, mas os princípios estipulados pelo próprio mercado.

Para solucionar situações em que os elementos da lei eram insuficientes para a compreensão do que acontecia nessas operações, alguns países criaram o chamado Takeover Panel: um comitê autorregulador que se baseia em princípios para analisar mudanças de controle de companhias e orienta sobre o que deve ser feito. A Inglaterra foi pioneira na adoção dessa medida, ainda na década de 60.

O Brasil, depois do crescimento e sofisticação de seu mercado, vivenciou casos em que não se conseguia saber se a situação envolvia mudança de poder de controle ou não, o que impedia aos participantes das operações até mesmo dimensionar o seu custo, pois havia dúvidas sobre a obrigatoriedade (ou não) de realização de oferta pública para a compra de todas as ações da empresa alvo da aquisição. Daí também entrar na pauta do mercado brasileiro a possibilidade da criação de um Comitê de Fusões e Aquisições.

Em entrevista ao Espaço Jurídico BM&FBOVESPA, o jurista Nelson Eizirik explicou qual seria a função desse órgão no país, quais os princípios que podem ser instituídos, se há chances de seu efetivo estabelecimento no Brasil, o papel da CVM e a reação dos agentes do mercado à proposta de sua criação.

O que é o Takeover Panel e qual a sua origem?
- O Takeover Panel tem origem na Inglaterra. Trata-se de uma entidade autorreguladora, um órgão criado pelo próprio mercado para resolver e buscar disciplinar as questões envolvendo mudança de controle, como as operações de fusões e aquisições, de empresas listadas na bolsa de Londres. Posteriormente, outros países, como Austrália e Nova Zelândia, também adotaram soluções parecidas. Foi preciso estabelecer órgãos com essa função por conta dos diferentes impactos que os diversos tipos de mudança de controle podem causar aos agentes do mercado, dependendo de como forem entendidas.

Como surgiu a ideia de criar um órgão semelhante no Brasil? Foi resultado da insegurança que apareceu em algumas operações que ocorreram no mercado nacional?
- Em várias operações de mudança de controle que aconteceram, houve o questionamento sobre: o tratamento dado aos acionistas, se havia sido equitativo; se as decisões sobre os esclarecimentos necessários foram dadas em prazo suficientemente rápido; e se as informações oferecidas aos agentes foram completas. Todos os problemas que surgiram com esse tipo de operação levaram a uma discussão sobre a necessidade de ser criado no Brasil um órgão similar. Iniciou-se uma conversa com as instituições do governo, da BM&FBOVESPA e do mercado. A pedido da própria bolsa, foi desenvolvido um estudo sobre o tema que chegou, em sua conclusão, à proposta de um órgão de autorregulação, semelhante ao takeover panel inglês, para analisar mudanças de controle de companhias abertas, inclusive em incorporações de ações que acarretem em reestruturações societárias relevantes.

Por que o caminho da autorregulação?
- Basicamente, porque é necessário ir um pouco além da lei, mesmo que ela seja completa e sistemática. É preciso estabelecer princípios mais éticos do que propriamente legais, princípios mais flexíveis, que possam ser elaborados pelo próprio mercado, adaptados e modificados à medida que as operações e o contexto se sofistiquem.

Quais seriam as principais características do modelo de takeover panel a ser adotado no Brasil?
- Seria um órgão de autorregulação, formado pelas principais entidades do mercado, e que seria complementar às atividades da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Como assim? Qual seria a participação da CVM nesse desenho institucional?
- A ideia é ter convênios com a CVM para que parte de suas atividades possam ser desenvolvidas pelo Comitê. Por exemplo, hoje, em uma operação de incorporação de ações de uma companhia controlada por seu controlador, em que ao final ele permanece como controlador, a CVM possui um entendimento no sentido de que as condições de troca das ações devem ser negociadas por agentes independentes, por comitês independentes. O Comitê de Fusões e Aquisições poderá cumprir esse papel, desde que a CVM aceite e delegue essa função. Da mesma forma, em qualquer caso de alienação de controle de uma companhia aberta, o Comitê de Fusão e Aquisição poderá analisar se a operação atende aos princípios éticos, mais do que a princípios legais, verificando se todos os acionistas estão sendo tratados de maneira igual, se a informação foi oferecida devidamente, e se a administração deu a última palavra aos acionistas, que são os que devem resolver sobre essas mudanças. Outra característica do Comitê será uma ação rápida: deverá decidir às vezes em horas, e, no máximo, terá trinta dias para oferecer uma solução a qualquer caso. Uma rapidez que muitas vezes a CVM não tem condição de oferecer, até porque ela tem por base a lei e não princípios.

A CVM não participaria do Comitê diretamente?
- Não, poderá haver um convênio com a CVM no qual fique estabelecida a presunção de que as decisões dadas por esse Comitê são legitimas e que a própria CVM tenderia a segui-las, resultando em um desconto regulatório.

Como seriam definidos esses princípios que orientarão as decisões do Comitê?
- Haveria uma espécie de Código, contendo os princípios e as regras. Até o momento, só analisamos o modelo de funcionamento do órgão, o Código virá posteriormente. Mas poderá se estabelecer, inclusive, as regras para a exigência ou não de realização de Oferta Pública de Ações (OPA), quando não há um controlador majoritário na companhia e, depois da operação, passa a existir.

Como será a adesão ao Comitê? Quem poderá utilizá-lo?
- É um modelo voluntário, de adesão voluntária, o que inclusive dará legitimidade a ele. Uma empresa que adere voluntariamente ao órgão, da mesma forma que vem acontecendo no Novo Mercado, tende a obedecer às regras, até porque as companhias irão participar da elaboração dos princípios e regras. O incentivo para essa adesão é que, ao adotarem essa postura, essas empresas tendem a ter suas ações mais valorizadas, por melhorarem o padrão de governança corporativa, o que reflete diretamente no valor de seus papéis. Além disso, como o Comitê analisará previamente as situações, a expectativa é de que gere mais segurança a todos.

Como será dada efetividade às decisões do Comitê?
- Ainda está sendo discutida essa questão, mas a intenção é poder ter, eventualmente, algumas sanções como a manifestação de uma advertência, uma censura pública. Se for o caso de penalidades, a questão seria encaminhada à CVM, para que ela as aplicasse, depois de um processo administrativo.

Como tem sido as reações dos agentes de mercado à proposta da criação de um Comitê de Fusões e Aquisições?
- Há um consenso de que é necessária a criação de um órgão desse tipo, tanto por parte das companhias quanto dos investidores e dos intermediários financeiros. A CVM também tem se demonstrado bastante receptiva e favorável à proposta. O Comitê pode trazer impactos muito positivos às operações, oferecendo mais segurança e rapidez. O próximo passo é retomar as conversas com os agentes do mercado para dar andamento ao processo.

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