Não existe nada de mal em constatar o óbvio ululante. Afinal, o óbvio só veio a se tornar óbvio porque ele precisou ser reafirmado e reconhecido muitas vezes. O que não dá mesmo é contemplar o óbvio para sorrateiramente escorregar para as meias verdades. O problema é que as meias verdades nunca andam sozinhas: elas precisam se apoiar ora numa mentira, ora numa omissão. Juliana Santos Botelho/cronicasdejuvenal.blogspot.com.
Discutir a aptidão leiteira da raça Gir é discutir o óbvio. Afirmar que essa aptidão vem desde a origem, Índia, é constatar o óbvio. Com a tradição religiosa impedindo o consumo de proteína vermelha bovina por considerar a espécie sagrada coube-lhe duas funções: produção de leite e tração.
No Brasil as raças zebuínas aos poucos ganharam suas especificidades entre a carne e o leite. Todavia, aqueles que preconizaram seu rebanho para a produção leiteira, não deixaram de utilizar-se do abate comercial para eliminar animais com baixa produtividade, defeituosos, refugados pelo mercado, ou com idade avançada. Valor carne agregado ao empreendimento leiteiro. Ocorre que ao dar um posicionamento exclusivo e diferenciado à raça indicando uma funcionalidade, que significou um sinal de qualidade e um fator de diferenciação, definiu. O Gir é leiteiro!
Ao afirmar que um animal é “gir leiteiro” significa que o mesmo pertence à raça Gir ao qual foi acrescida uma palavra de domínio público “leiteiro”, como poderia ser “carne”. E isso não parece muito claro àqueles que se digladiam em meias verdades. De acordo com o Serviço de Registro das Raças Zebuínas, a raça é Gir. No registro expedido pela ABCZ, a raça é Gir. Agora a adjetivação dessa raça, cada criador, entidade promotora da raça que utilize a sua.
A toda essa pecuária zebuína, cujo passado extraordinário conseguiu firmar racialmente todas as raças zebuínas eu diria: “O passado consolidou posições de pureza racial, o futuro nos reserva a eficiência racial.” João Gilberto Rodrigues da Cunha, ex-presidente da ABCZ, 1989.
Foi necessário corrigir o tamanho dos tetos para um bom trânsito nas pastagens, o mesmo com relação ao umbigo dos machos; os chifres para um melhor manejo, mas, sempre preservando a “pureza racial de origem”. Todavia, quando se buscou a “eficiência racial” não se deu muita importância a essa “pureza racial de origem”. No entendimento de alguns o importante era o balde, e aos que não concordavam com esse posicionamento, a balança, como se não houvesse o caminho do meio.
Ao admitir que o animal enquadrado no “padrão racial de origem” não possui aptidão leiteira, havendo a necessidade da ingerência de um indivíduo “leiteiro” para esse tipo de exploração, é o mesmo que negar a raça como leiteira. E, com isso, também a possibilidade de existência de animais melhoradores dentro do “padrão racial”. Ou não? Se o denominado “gir leiteiro” é Gir, esses animais melhoradores só podem ter saído de dentro da própria raça. Ou não?
Por que a sugestão ao Conselho Técnico das Raças Zebuínas de proibição de uso da expressão “gir leiteiro” aos animais da raça Gir? O marketing do “gir leiteiro” incomoda quem? Por que esse absurdo de sugerir duas raças Gir no Brasil, algo inexeqüível do ponto de vista constitucional? O Congresso Nacional não vai revogar toda a legislação pertinente desde 1936, ferindo inclusive a Convenção Internacional de Unificação do Registro Genealógico Bovino (Tratado de Roma), onde o Brasil é signatário ao lado de mais de 160 países.
“Em princípio, não poderá haver em cada Estado, mais do que um Registro Genealógico para uma mesma raça. No caso em que houver um só Registro para raças que têm características étnicas e funcionais diferentes, assim como as raças cuja área geográfica é particularmente extensa e que estão sujeitas a condições diferentes de clima, de habitat ou de alimentação suscetíveis de provocar diferenças de conformação, poderão ser abertas no mesmo Registro diversas seções, cada uma correspondendo a um tipo de raça ou a uma região por ela povoada. A criação de diversos Registros e a abertura de Seções não se poderá fazer sem autorização e, somente sob o controle de órgão especial previsto na letra D do Protocolo de assinatura anexo a esta Convenção para a organização do Registro Genealógico Nacional, e disso, terá dado conhecimento ao Instituto Internacional de Agricultura.” Convenção Internacional de Unificação do Registro Genealógico Bovino (Tratado de Roma) promulgada no Brasil pelo decreto 3.457, de 15 de dezembro de 1938, publicado no DOU de 18/01/1939.
Na primeira frase fica claro a impossibilidade de em um mesmo país haver “mais que um Registro Genealógico para uma mesma raça”. Porém, a possibilidade de “ser abertas no mesmo Registro diversas seções”, como o já existente com o Gir Mocho: raça Gir, variedade mocha. No caso específico, raça Gir, variedade leiteira; raça gir, variedade frigorífica; raça Gir, variedade dupla aptidão; e, finalmente, aos “puristas” simplesmente Raça Gir, inexistindo a variedade, uma vez que Gir, variedade padrão seria redundância.
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