quarta-feira, 7 de março de 2012
LIDES RURAIS - GADO POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO POR OUTRO DA MESMA RAÇA, IDADE E GRAU DE SANGUE
Número do processo: 2.0000.00.504048-6/000(1) Númeração Única: 5040486-08.2000.8.13.0000
Relator: Des.(a) ANTÔNIO DE PÁDUA
Relator do Acórdão: Des.(a) Não informado
Data do Julgamento: 20/09/2005
Data da Publicação: 22/10/2005
Inteiro Teor:
EMENTA: CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE GADO VACUM - CLÁUSULA DE GARANTIA E DEPÓSITO - BEM MÓVEL FUNGÍVEL - POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO POR OUTRO DA MESMA RAÇA, IDADE E GRAU DE SANGUE - CONTRATO DE DEPÓSITO REGULAR - PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE.
- O contrato de compra e venda de gado vacum, com cláusula de constituição de garantia e depósito da coisa caracteriza contrato regular de depósito.
- O bem móvel, a teor da nova nomenclatura estabelecida pelo vigente Código Civil, é considerado coisa fungível, podendo ser trocado por outro de iguais características.
- A venda de gado holandês, pelas suas características, permite a entrega de outros animais da mesma raça, idade e grau de sangue.
- Sendo o contrato considerado como de depósito regular, é possível a decretação da prisão civil do depositário infiel.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.504048-6/000, da Comarca de MACHADO, sendo Apelante(s): WCP e Apelado(s)(a)(s): MRC,
ACORDA, em Turma, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PROVIMENTO, VENCIDO O DESEMBARGADOR REVISOR.
Presidiu o julgamento o Desembargador OSMANDO ALMEIDA (Vogal) e dele participaram os Desembargadores ANTÔNIO DE PÁDUA (Relator) e FERNANDO CALDEIRA BRANT (Revisor, convocado, vencido).
Assistiu aos julgamentos de 23/08/05 e de 6, 13 e 20/09/05, pelo apelante, o Dr. Evandro França Magalhães.
Belo Horizonte, 20 de setembro de 2005.
DESEMBARGADOR ANTÔNIO DE PÁDUA
Relator
DESEMBARGADOR FERNANDO CALDEIRA BRANT
Revisor, convocado, vencido
DESEMBARGADOR OSMANDO ALMEIDA
Vogal
V O T O S
SESSÃO DE JULGAMENTO DO DIA 23/08/2005:
O SR. DESEMBARGADOR ANTÔNIO DE PÁDUA:
Trata-se de apelação interposta por Wagner Campos Palmeira, nos autos de Ação de Depósito que move contra MRC, no qual busca o apelante reaver uma partida de gado vacum vendida ao apelado, por preço e quantia certa. inconformado com a sentença de fls. 143, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.
Inconformado, aviou recurso de apelação, entendendo que está caracterizado o contrato de depósito, no qual constam cláusulas de oferta de garantia do próprio gado vendido, e que impunham ao apelado a obrigação de mantê-lo sob sua posse, até pagamento final da compra.
O apelado ofereceu suas contra-razões, batendo-se, por óbvio, pela manutenção da sentença.
Preparo às fls. 159.
Conheço da apelação, porque presentes os pressupostos da sua admissibilidade.
Origina-se o direito obrigacional existente entre as partes de um contrato de compra e venda de gado holandês, conforme estampado no contrato de fls. 08 e seguintes.
O apelante vendeu ao apelado, 488 cabeças de gado vacum da raça holandesa, composta de 255 vacas adultas, 101 novilhas de 12 a 30 meses de idade, 132 bezerras de zero a 16 meses, "com as características constantes da relação anexa, com suas folhas devidamente rubricadas pelas partes e que fica fazendo parte integrante deste contrato", com os nossos destaques, pelo preço de R$550.000,00, para pagamento em parcelas, consoante disposto na cláusula 2ª do aludido contrato.
O apelado adimpliu apenas parcialmente o contrato, daí o manejo da presente ação de depósito, visando a obrigar o apelado a devolver-lhe as 302 cabeças de gado restantes para o completo adimplemento do contrato, ou seu equivalente em dinheiro, mais os ônus da sucumbência.
O douto magistrado de primeiro grau, reconheceu que o contrato de compra e venda, com cláusula de depósito, caracterizada um típico contrato regular de depósito, sendo própria a via escolhida para demandar a questão.
Entendeu o douto magistrado que, no caso, os animais depositados gozam de identificação com características individuais próprias, sendo eles infungíveis e diferentes dos animais citados pelo réu, que são fungíveis, podendo ser substituídos por outros da mesma raça e peso. Entretanto, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, ao argumento de que o autor não teria juntado aos autos a relação dos animais, com suas características peculiares, tal como ficou determinado na cláusula primeira, em sua parte final, donde não haveria como obrigar o apelado a entregar ao apelante o gado vendido.
Data venia, não comungo do mesmo entendimento.
Bem fungível é a coisa móvel que pode ser substituída por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade.
Bem infungível, ao contrário, é a coisa móvel que não pode ser substituída por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade.
O CC de 1916 fazia ainda a distinção entre coisa móvel e semovente, esta última classificação aplicava-se aos animais.
Entretanto, o vigente CC, em seu art. 85, acabou com tal distinção, considerando que
"são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade".
No caso em espécie, entendo que não há que se falar em bens infugíveis, porque eles têm características próprias que possibilitam a sua identificação.
Para aqueles que não estão afetos às lides rurais, principalmente na pecuária leiteira, e mais precisamente, ao gado holandês, deve ser esclarecido que nenhuma rês tem características individuais de modo a não permitir a sua troca por outra da mesma qualidade.
Existem duas raças de gado holandês: a vermelha-e-branca, que, embora seja considerada uma variação da raça, sabe-se que, cientificamente, o aparecimento desse gado foi resultante de uma degeneração genética, surgindo daí o que poderíamos chamar de uma sub-raça.
Embora seja de boa condição leiteira, sua criação é pouco difundida entre os pecuaristas de leite. E a preta-e-branca, que é a raça típica e originária da Holanda, daí o seu nome, é amplamente difundida no nosso país, notadamente nas regiões mais frias, de excelente capacidade leiteira e melhor rusticidade do que a vermelha-e-branca, daí seu maior número de criadores. Aos olhos do leigo, todos os animais são iguais, isto é, são da cor vermelha-e-branca ou preta e branca, com alternância da cor predominante, sendo ora a vermelha ou preta, ora a branca, mas todas com manchas na cor não-predominante. E se for animal para registro, deve ter os quatro pés calçados de branco (pelagem branca em torno da canela até a altura do machinho) e a "vassoura do rabo" branca.
Entretanto, uma característica essencial, que somente os entendidos da raça conseguem perceber, é que nenhum animal tem as manchas iguais às do outro, sendo uma espécie de impressão, que pode diferenciá-los uns dos outros.
Porém, é bom que se diga, para efeito de impor a alguém a obrigação de devolver uma grande partida de animais, como é o caso presente, não será pela mancha da pelagem que se irá determinar se se trata de coisa fungível ou infungível, porque, para esse fim, basta que seja devolvido a quem tem o direito de receber, um animal da raça holandesa, numa de suas cores, conforme foi a venda, com idade e grau de sangue equivalentes àquele que foi vendido.
No caso sub judice, não andou certo o douto magistrado, porque está caracterizado no contrato que foram vendidas: 255 vacas adultas, 101 novilhas de 12 a 30 meses e 132 bezerras de zero a 16 meses, todas da raça holandesa.
O apelado deve devolver 302 cabeças, fato que não foi objeto da contestação, porque o apelado apenas se preocupou em dizer que o contrato de depósito era irregular. Muito pelo contrário, vê-se das suas contra-razões (fls. 166 - item 12) que o apelado confessa ser devedor daquelas cabeças de gado, posto que, ao invés de negar o débito, apenas disse:
"...reforça a tese de depósito irregular, posto que o pedido é genérico, não discriminando cada uma das reses supostamente dadas em depósito ao recorrido".
Por fim, o argumento da douta sentença de que houve ofensa ao art. 286 do CPC, porque o pedido "deve ser certo e determinado, o que não ocorreu no casu sub examem", é outro aspecto em que o douto sentenciante não agiu com seu costumeiro acerto, porque o apelante requereu expressamente que seu pedido fosse julgado procedente, para o brigar o réu, "no prazo de cinco (5) dias, entregar ao autor ou depositar em juízo as 302 cabeças de gado das quais é depositário, bem como as crias havidas, ou consignar-lhe o valor equivalente em dinheiro", com os conseqüentes ônus sucumbenciais e legais.
Além do mais, o douto magistrado, à toda evidência, não entendeu o alcance total do citado dispositivo legal, porquanto ali se vê:
"Art. 285 - O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido genérico". (grifei).
No caso em espécie, o pedido foi certo e determinado. Mas, ainda que não o fosse, seria permitido ao autor formular pedido genérico.
Por último, tem-se que o douto magistrado extinguiu o feito sem julgamento do mérito. Daí ser aplicável ao caso o disposto no § 3º do art. 515 do CPC, parágrafo esse acrescentado ao artigo pela lei 10.352, de 26-12-01, segundo o qual:
"Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento".
No caso sub judice, como bem salientou o douto magistrado:
"O cerne da questão é saber se o contrato ajustado entre autor e réu caracteriza um depósito regular, quando então o réu deverá entregar os bens relacionados no referido contrato para o autor, ou se um depósito irregular, quando então a ação de depósito não é medida própria, devendo ser resolvida a lide pelas normas concernentes ao mútuo".
Logo, a questão discutida nos autos é exclusivamente de direito, como ficou constando da douta sentença em revista, tese também discutida pelas partes, como foi sobejamente dissecado alhures.
Por conseguinte, aplicável ao caso o dispositivo legal invocado, sem que isso implique em supressão de instância.
Isso posto, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial e condenar o apelado a devolver ao apelante 302 (trezentos e duas) cabeças de gado holandês, da mesma idade e grau de sangue do gado contratualmente vendido, em 05 (cinco) dias da sua intimação, ou seu equivalente em dinheiro, sendo que, neste caso, o valor deverá ser atualizado e sofrerá correção monetária a partir do cálculo, pelos índices fornecidos pela Corregedoria de Justiça, mais juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, custas e honorários de 20% sobre o montante da condenação, sob pena de prisão por constituir-se em depositário infiel.
Custas recursais, pelo apelado.
O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO CALDEIRA BRANT:
Peço vista.
SESSÃO DE JULGAMENTO DO DIA 30/08/2005:
O SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE:
Adiado a pedido do Des. Revisor, após Relator dar provimento.
O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO CALDEIRA BRANT:
Senhor Presidente,
Após ouvir a sustentação oral, e apreciar os fundamentos do Em. Relator sobre a questão posta no presente recurso, ouso divergir, da conclusão que chegou sua Exa.
Não antes, sem registrar, que não estou discordando dos fundamentos apresentados pelo Em. Relator, no que concerne ao contrato de depósito na sua exposição doutrinária, bem assim, à conclusão que poderia se chegar quanto se trata de gado que não recebeu a devida discriminação, muito embora, poderá haver hipóteses em que o gado é plenamente identificável, como no caso de gado registrado, ou reprodutor específico, ou mesmo uma matriz ou várias com os devidos registros - o que nestes hipótese entendo poderá ocorrer a infungibilidade.
Porém, observo que a questão, ou melhor o desate da questão nos autos, só poderia mesmo ser a extinção da ação de depósito, ainda que por outros fundamentos.
É que, inicialmente observa-se pelo contrato que há cláusula de antecipação expressa do vencimento do contrato, pelo inadimplemento do pagamento de alguma das parcelas - trata-se da cláusula n. 3, f. 09 dos autos, uma vez que a venda da partida de gado, teve seu pagamento parcelado.
Diante da ocorrência de tal fato, ou seja, atraso nas demais parcelas, implicaria pelos termos contratuais no vencimento antecipado, ensejando, por outro lado a eventual execução do mesmo, como realização do crédito.
Foi justamente pelo que optou o autor, ora apelante, ao ajuizar a noticiada execução do contrato, como consta dos autos às f. 16/23.
Vale dizer que o apelante, corretamente, optou por executar o contrato, e em conseqüência desta mesma execução, é que, foram penhoradas parte das cabeças de gado ainda encontradas, levadas à leilão, quando então o apelante as arrematou.
Ora, claro está que já não perdura mais o depósito celebrado no contrato, pois pela opção do credor e pela disposição da cláusula 3a., houve na verdade a antecipação do vencimento, e portanto, não mais persiste a incongruente cláusula que estabelecera o depósito até o pagamento.
Ainda que se obrigara em permanecer com o gado em seu poder, até o restante do pagamento, não se pode concluir que aí tenha havido o regular depósito, a ensejar a referida ação de depósito, uma vez que, o credor já optou, e encontra-se em andamento, pela execução financeira do contrato, como está nos autos.
Diante desta impossibilidade jurídica é que estou mantendo a sentença da extinção do feito, e portanto, NEGANDO PROVIMENTO ao apelo.
Custas ex lege.
O SR. DESEMBARGADOR OSMANDO ALMEIDA:
Peço vista.
SESSÃO DE JULGAMENTO DO DIA 20/09/2005:
O SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE:
Este julgamento veio adiado a pedido do Vogal. O Relator dava provimento e o Revisor negava.
O SR. DESEMBARGADOR OSMANDO ALMEIDA:
O em. Relator Antônio de Pádua, deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial, condenando o apelado a devolver ao apelante 302 cabeças de gado holandês, ou o seu equivalente em dinheiro, entendendo que o pedido formulado é certo e determinado, ao invés do entendimento do Douto Magistrado primevo, que concluiu pela necessidade do autor demonstrar e individualizar as reses entregues ao réu, instruindo a inicial com a relação das mesmas, nos termos da cláusula primeira do contrato de f.08/10.
O em. revisor, concluiu que tendo o apelante optado por executar o contrato, já não mais há de prevalecer a cláusula que estabelecera o depósito até o pagamento, razão pela qual, manteve a extinção primeva, não pelos mesmos fundamentos, mas sim pela impossibilidade jurídica do pedido.
Coloco-me de pleno acordo com os fundamentos e a conclusão do voto do douto relator, porém, cumpre-me tecer algumas breves considerações sobre o caso em deslinde.
Não se pode deixar de observar que o aludido pacto prevê em sua cláusula terceira o vencimento antecipado de todas as parcelas, ocorrendo o inadimplento de quaisquer delas, sendo certo que a garantia da operação é constituída pelos próprios animais transacionados.
Com efeito, verifico que o apelante procedeu à execução das promissórias vencidas e não pagas, emitidas em garantia ao contrato de compra e venda de gado, tendo sido penhoradas 186 reses, que levadas à leilão, foram arrematadas pelo apelante. Tanto, que a petição inicial da ação de depósito já traz o decote destes animais.
Em assim sendo, apesar de já terem sido executadas as promissórias garantidoras do contrato entabulado entre as partes, não se pode deixar de reconhecer que o apelado expressamente configurou como depositário fiel do gado descrito na cláusula primeiro do aludido pacto.
É o que dispõe a aludida avença em sua cláusula quinta:
"Como garantia do cumprimento da obrigação assumida neste contrato, é dado, pelo comprador, o gado descrito na cláusula 1º deste instrumento, do qual ora passa a ser possuidor, ficando o mesmo como depositário e, nesta condição, impedido de vender, negociar ou se desfazer de qualquer forma do gado em referência até o pagamento integral de todas as parcelas descritas na cláusula 2º acima, sob as penas do art.1287 do Código Civil e demais cominações aplicáveis".
Pois bem.
Inicialmente, esclareça-se que através da ação de depósito busca-se compelir o depositário a restituir a garantia por ele oferecida, qual seja, os animais da raça holandesa, discriminados na cláusula primeira da avença contratual.
Sendo assim, a garantia da dívida está alicerçada no contrato firmado entre as partes.
In casu, não tendo o credor conseguido receber todo o seu crédito e não se dispondo de outra garantia a não ser aquela pactuada, já que o apelado não dispõe de patrimônio livre de ônus que possa garantir a dívida, naturalmente que pode fazer valer seu direito consubstanciado no contrato firmado com o apelado.
Se assim não fosse, o contrato celebrado não teria qualquer utilidade em assegurar as relações nele estabelecidas, e a garantia dada estaria destituída de qualquer segurança apta a demonstrar a seriedade do ato negocial.
Dentro deste panorama, não vejo nenhuma incompatibilidade no exercício da execução e na retomada dos animais dados em garantia do crédito.
Com efeito, poderá o apelante buscar os resultados práticos mais apropriados à função instrumental do processo.
Nesse sentido a posição pretoriana com a seguinte explicitação:
"É evidente que não havendo entrega da coisa, por inexistente, nem sendo possível sua apreensão, a parte autora irá buscar a satisfação de seu crédito através da execução por quantia certa nestes autos, em prosseguimento ao processo de execução, nos termos do art. 906 do CPC, sendo certo que o quantum debeatur será o montante vencido e o vincendo a serem apurados naqueles autos, não havendo que se falar em extinção do feito, por incabível na espécie" (Resp 149.642 - RJ Relator Min. Ari Pargendler).
Ao meu juízo o em. relator bem examinou a questão em tela, pois não obstante tratar-se de bens fungíveis - os animais podem ser substituídos por outros da mesma quantidade, raça, sexo e idade -o contrato se apresenta juridicamente como depósito regular, já que obriga o depositário a permanecer com o gado em seu poder até o pagamento integral do débito.
A respeito do tema, trago lições do festejado Humberto Theodoro Júnior:
"Não é a natureza fungível da coisa que transforma o depósito em mútuo. Isto somente ocorre quando o contrato confira disponibilidade da coisa em favor do depositário. Se, portanto, ficar caracterizado no contrato que, embora fungível, a coisa deva ser restituída na mesma substância, o depósito será havido como regular".
E não tendo sido desnaturada a natureza jurídica do contrato, a cominação de prisão civil do depositário infiel como técnica de coerção processual é decorrência automática da estruturação legal daquele instituto, achando-se ínsita na ação de depósito.
Com tais considerações, estou a acompanhar o voto do em. Relator, para DAR PROVIMENTO ao presente recurso e julgar procedente o pedido inicial, muito embora ressalvando o meu respeito pela posição adotada pelo não menos ilustre revisor.
Custas recursais pelo apelado.
d.v.
Fonte: TJMG
segunda-feira, 5 de março de 2012
TRIBUNAL DE SÃO PAULO EDITA NOVAS SÚMULAS SOBRE PLANOS DE SAÚDE
Reconhecendo muitas das teses defendidas em favor de pacientes e consumidores, o Tribunal de Justiça de São Paulo editou novas súmulas que tratam sobre diversas questões envolvendo planos de saúde.
Súmulas são textos que sintetizam um posicionamento consolidado no tribunal, sendo aplicável a casos idênticos.
Abaixo, a reprodução das novas súmulas aprovadas:
“Súmula 90: Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer”.
“Súmula 91: Ainda que a avença tenha sido firmada antes de sua vigência, é descabido, nos termos do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária”
Súmula 92: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário”
Súmula 93: “A implantação de stent é ato inerente à cirurgia cardíaca/vascular, sendo abusiva a negativa de sua cobertura, ainda que o contrato seja anterior à Lei n. 9.655/98”
Súmula 94: “A falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias, para purga da mora.
Súmula 95: “Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura de custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico”.
Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento”
Súmula 97: “Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica”
Fonte: Blog Direito e Saúde
Impossível ação penal ambiental em face de pessoa jurídica
A 2ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP concedeu segurança determinando a anulação de ação penal ambiental contra a Votorantim Cimentos, em curso na vara única do foro distrital de Cajamar (Jundiaí).
O juízo recebeu denúncia do MP contra a Votorantim, que teria causado de forma irregular poluição por meio de lançamento de resíduos sólidos em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.
A Votorantim aduziu no MS que a denúncia foi ofertada exclusivamente em face da pessoa jurídica, o que seria inadmissível de acordo com a lei 9.605/98.
Alegou que não foi aferida qualquer conduta praticada pelos administradores que ensejassem a responsabilização destes. E defendeu a inconstitucionalidade da lei 9.605/98, pleiteando assim a inépcia da denúncia.
Ao analisar o caso, a 2ª câmara afastou a inconstitucionalidade da lei. Mas concedeu a segurança sob entendimento "da impossibilidade jurídica de imputação de crime à pessoa jurídica."
Consignou o desembargador Paulo Antonio Rossi, relator: "Não há como conceber o crime sem uma conduta humana, porquanto esta é da essência do crime. Dessa forma, é possível deduzir que a pessoa jurídica não pratica crimes, servindo de instrumento pelo qual seus administradores cometem delitos contra o meio ambiente."
Assim, concluindo que somente os responsáveis pela conduta ilícita é que devem responder penalmente, "cabendo à pessoa jurídica a aplicação de sanções administrativas", bem como o dever de reparação por eventuais danos causados ao Estado ou a terceiros, a câmara acordou em determinar a anulação do feito a partir da denúncia e o trancamento da ação penal ambiental em curso.
Os advogados Mauricio Faragone e Everson Pinheiro Bueno, do escritório Faragone Advogados Associados, atuaram pela Votorantim Cimentos.
Processo : 0255024-49.2011.8.26.0000
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 0255024-49.2011.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é impetrante VOTORANTIM CIMENTOS S/A sendo impetrado MM. JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA ÚNICA DO FORO DISTRITAL DE CAJAMAR.
ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Concederam a segurança, para determinar a anulação do feito a partir da denúncia e o trancamento da ação penal nos autos de n° 108.01.2009.003621-9 controle 392/2009, em curso pela Vara Única do Foro Distrital de Cajamar. V.U. Compareceu o advogado Dr. Everson Pinheiro Bueno.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO ROSSI (Presidente), IVO DE ALMEIDA E ANTONIO LUIZ PIRES NETO.
São Paulo, 27 de fevereiro de 2012.
PAULO ROSSI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Mandado de Segurança nº 0255024-49.2011.8.26.0000
Comarca de Jundiaí - Vara Única
Impetrante: Votorantim Cimentos S/A
Impetrado: Mm. Juiz(a) de Direito da Vara Única do Foro Distrital de Cajamar
TJSP - 2ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL
VOTO Nº 7731
MANDADO DE SEGURANÇA Impetração que visa trancamento de ação penal em que foi oferecida denúncia exclusivamente contra a pessoa jurídica por crime ambiental ADMISSIBILIDADE - Falta-lhe a capacidade de culpabilidade, de modo que não há como imputar-lhe a prática de sanção penal.
Segurança concedida.
Vistos.
Trata-se de Mandado de Segurança com pedido de liminar, impetrado por Votorantim Cimentos S/A, contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única do Foro Distrital de Cajamar - Comarca de Jundiaí, que, nos autos da ação penal n.º 108.01.2009.003621-9 controle 392/2009, recebeu denúncia ofertada pelo Ministério Público contra a impetrante, por suposta infração ao artigo 54, § 2º, inciso V, c.c. os artigos 3º e 21, da Lei n.º 9.605/98.
Segundo consta, a Votorantim Cimentos S/A, pessoa jurídica de direito privado representada legalmente por seu Diretor Geral, não identificado nos autos, foi denunciada porque em dia não determinado, mas durante o mês de maio de 2009, na Estrada do vau Novo, sem número, na cidade de Cajamar, de forma irregular causou poluição por meio de lançamento de resíduos sólidos em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, conforme informação Técnica constante no laudo da Equipe de Perícias Criminalísticas de Guarulhos.
Aduz o impetrante que a denúncia foi ofertada exclusivamente em face da pessoa jurídica, via esta, inadmissível, uma vez que a própria Lei n.º 9.605/98, em seu artigo 3º, dispõe que serão responsabilizados as pessoas jurídicas e seus administradores/sócios, o que não ocorreu nos autos. Alega, ainda, que não foi aferida qualquer conduta praticada pelos administradores da impetrante que ensejassem a responsabilização destes, quiça a pessoa jurídica, realizou qualquer conduta intencionalmente temerária que viesse a ofender o bem jurídico protegido pelo diploma legal em questão. Sustenta, ainda, a inconstitucionalidade da Lei n.º 9.605/98, por violar os princípios da legalidade, culpabilidade, da personalidade da pena, e da punibilidade.
Pleiteia a concessão da segurança para que seja declarada a inépcia da denúncia, com o consequente trancamento da ação penal (fls. 02/27).
A liminar foi deferida para suspender o andamento do feito até decisão final (fls. 397/398).
Prestadas informações pela autoridade dita coatora (fls. 402/403), manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça, em r. parecer da lavra do Dr. João Antonio dos Santos Rodrigues, pela denegação da segurança (fls. 406/412).
Ante a preliminar arguida pelo d. Procurador de Justiça oficiante, o julgamento foi convertido em diligência para que fosse colhida a manifestação do representante do Ministério Público de 1º Grau (fls. 414).
A ilustre representante do Ministério Público manifestou-se às fls. 419/421, como litisconsorte necessário.
É o relatório.
Depreende-se através das informações prestadas pela autoridade judiciária, em 18 de outubro de 2011, o impetrante foi denunciado como incurso no artigo 54, § 2º, inciso V, c.c. os artigos 3º e 21, da Lei n.º 9.605/98. A denúncia foi oferecida em 15/04/2011, e recebida em 12/05/2011. A Defesa pleiteou, em 21/06/2011, esclarecimentos sobre a contradição existente entre o despacho de recebimento da denúncia e reconsideração do mesmo.
Na data de 03/08/2011, o Ministério Público ofereceu proposta de reparação do dano ambiental e por consequência a suspensão condicional do processo pelo prazo de 02 anos. O recebimento da denúncia foi mantido, bem como designado o dia 06/10/2011, para a realização da audiência de suspensão do processo. Ante o deferimento da medida liminar, foi declarada a suspensão do feito em questão. Os autos encontram-se suspensos aguardando o julgamento do writ impetrado (fls. 402/403).
Segundo consta da denúncia, em dia não determinado, mas durante o mês de maio de 2009, na Estrada do Vau Novo, sem número, na cidade de Cajamar, Votorantim Cimentos do Brasil LTDA, de forma irregular causou poluição por meio de lançamento de resíduos sólidos em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.
Segundo apurado, a empresa denunciada, por conta de sua atividade industrial, produziu certa quantidade de lixo que foi descartada em área ambiental. Mencionado lixo consistiu em produto conhecido popularmente como argamassa, além de lixo doméstico misturado com papéis/documentos com o logotipo da empresa denunciada (fls. 35/36).
Inicialmente, deve ser afastada a inconstitucionalidade da Lei 9.605/98 aventada pelo impetrante, pois a própria Constituição Federal criou a possibilidade de punição da pessoa jurídica em face da prática de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, conforme disposto no artigo 225, § 3º, da CF.
Com efeito, até a promulgação da Constituição de 1988, não havia norma dispondo acerca da responsabilidade penal de pessoas jurídicas, de modo que o supramencionado § 3º, do artigo 225, norma de eficácia limitada, somente foi regulamentada pelo artigo 3º da Lei 9.605/98, que dispõe:
“As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”
Dessa forma, conclui-se que a Lei n.º 9.605/98 regulamenta o artigo 225 da Constituição Federal, em consonância, portanto, com a ordem constitucional.
No mais, a segurança deve ser concedida.
Trata o presente mandamus de tema polêmico na doutrina e jurisprudência, envolvendo questão acerca da possibilidade jurídica de cometimento de ação típica de crime, exclusivamente por pessoa jurídica.
Não obstante o respeito à posição divergente, perfilho o entendimento da impossibilidade jurídica de imputação de crime à pessoa jurídica.
Ante a necessidade de uma intervenção mais severa do Estado a fim de tutelar o meio ambiente no âmbito penal, por se tratar de um direito fundamental, o legislador elaborou a Lei n.º 9.605/98, disciplinando os crimes ambientais, em conformidade com o artigo 225, § 3º, da Carta Magna, possibilitando a penalização da pessoa jurídica.
Todavia, não há como conceber o crime sem uma conduta humana, porquanto esta é da essência do crime. Dessa forma, é possível deduzir que a pessoa jurídica não pratica crimes, servindo de instrumento pelo qual seus administradores cometem delitos contra o meio ambiente.
Somente os responsáveis pela conduta ilícita é que devem responder penalmente, cabendo à pessoa jurídica a aplicação de sanções administrativas, bem como o dever de reparação por eventuais danos causados ao Estado ou a terceiros.
Ademais, a responsabilidade da pessoa jurídica mostra-se inviável diante da impossibilidade de mensuração de sua culpabilidade e, ainda, diante das circunstâncias que o levaram ao cometimento do crime.
Com efeito, "... a responsabilização criminal das pessoas jurídicas, idealizada pelo legislador constituinte, é inviável por diversas razões, dentre as quais a de que a empresa não tem vontade própria, não pratica conduta, sem a qual não se pode falar em ação típica, nem, portanto, em crime. Sendo inviável falar em conduta de pessoa jurídica, é impossível cogitar de conduta criminosa, aplicando-se o consagrado e secular princípio nullum crimen sine conducta" (TJSP, Mandado de Segurança n° 990.10.020257-0, 7ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Fernando Miranda, j. 24.6. 2010).
Segundo prelecionam os eminentes Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto:
Não obstante as sempre respeitáveis opiniões de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR e MIGUEL REALE JÚNIOR, mencionadas nos comentários iniciais a este art. 3º, cremos ser inquestionável que a CR, em seu art. 225, § 3º, tenha efetivamente previsto a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, verbis:
"As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano". Com efeito, o legislador constituinte referiu-se aos "infratores" como sendo as "pessoas físicas ou jurídicas", colocando, ainda, a referida expressão entre vírgulas; logo em seguida, dispôs ainda que essas pessoas estarão sujeitas a sanções penais e administrativas; tais fatos, por si sós, a nosso ver, demonstram que o legislador constituinte efetivamente admitiu a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas para os delitos ambientais. No entanto, a responsabilização criminal das pessoas jurídicas, idealizada pelo legislador constituinte, é inviável por diversas razões, dentre as quais a de que a empresa não tem vontade própria, não pratica conduta, sem a qual não se pode falar em ação típica, nem, portanto, em crime. Sendo inviável falar em conduta de pessoa jurídica, é impossível cogitar de conduta criminosa, plicando-se o consagrado e secular princípio nullum crimen sine conducta. Além disso, tendo em vista que o Direito Penal brasileiro baseia-se, fundamentalmente, na culpabilidade, isto é, na reprovabilidade da conduta, as pessoa jurídicas não podem cometer crimes em face de outro secular princípio, qual seja, do nullum crimen sine culpa. Daí, inclusive, o postulado societas delinquere non potest. Improcedem, a nosso ver, as sempre respeitáveis alegações acima transcritas dos eminentes VLADIMIR e GILBERTO PASSOS DE FREITAS, já que, data venia, não se pode defender a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos delitos ambientais sob o argumento de que essa responsabilização era necessária porque "na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito", ficando a punição adstrita à pessoa do empregado. Ora, se a questão cinge-se a um problema de investigação, torna-se necessário, isso sim, um melhor aparelhamento dos órgãos de investigação policial, e não a previsão pura e simples da responsabilização penal das pessoas jurídicas. O fim não justifica os meios. Admitir-se a responsabilidade desta forma é admitir a responsabilidade penal objetiva, o que é vedado por nossa Constituição. Melhor sorte não tem a alegação, outrossim, de que o art. 3º, parágrafo único, ao prever a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, "não exclui a das pessoas naturais", conforme também salientam os ilustres autores acima citados. Por fim, segundo lembra OSWALDO HENRIQUE DUEK MARQUES, as penas previstas na Lei n° 9.605/98 para os entes coletivos "não podem ter outra natureza senão a civil ou administrativa" ("A esponsabilidade da pessoa jurídica por ofensa ao meio ambiente", in Bol. IBCCr n° 65, abril/98, p. 6). Por tais razões, concluímos que as pessoas jurídicas não praticam crimes, podendo servir apenas de veículo através do qual seus administradores cometem crimes (contra a ordem tributária, econômica, economia popular, meio ambiente etc). Assim, somente os administradores responsáveis pela conduta criminosa é que devem responder criminalmente, restando às pessoas jurídicas a aplicação de sanções administrativas, além do dever de reparar o dano causado ao Estado ou a terceiros. Além do mais, afigura-se "inimaginável a inflição de pena sem a mensuração da culpabilidade do acusado (que à evidência só pode tratar-se de um ser humano), ou seja, da maior ou menor reprovabilidade da sua conduta - manifestação da vontade através de um comportamento positivo (comissivo) ou negativo (omissivo) -, na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29) e, ainda, diante das circunstâncias que o levaram ao cometimento do crime (CP, art. 59). Insista-se: pessoa jurídica não comete crime; os seus administradores, sóciosproprietários ou não, é que, através dela e em seu nome, podem perpetrar crimes contra o meio ambiente. Por outro lado, além da violação do inafastável e elementar primado da culpabilidade ou reprovabilidade da conduta do ser humano que é punido, há outro intransponível obstáculo à efetivação da intenção do legislador constituinte: a ofensa ao princípio da responsabilidade pessoal, através do qual a pena não pode passar da pessoa do condenado (CR, art. 5º, XLV).” (Leis Penais Especiais Comentadas, Rio de Janeiro: Renovar, 2006).
No mesmo sentido manifesta-se RENÉ ARIEL DOTTI, para quem os crimes e as contravenções "não podem ser praticados pelas pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade penal é uma qualidade inerente aos seres humanos" (Curso de Direito Penal- Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 2001).
Dessa forma, embora o artigo 225, § 3º, da Carta Magna, admita a possibilidade de a pessoa jurídica sujeitar-se a sanções penais, falta-lhe a capacidade de culpabilidade, de modo que não há como imputar-lhe a prática de sanção penal.
Por final, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha admitido a responsabilização da pessoa jurídica em crimes ambientais, desde que haja imputação simultânea da pessoa jurídica e pessoa física, que atua em seu nome ou em seu benefício, seria necessário identificar as pessoas naturais que tenham participado do ato delituoso.
Assim, de acordo com o entendimento do STJ, não se compreende a responsabilização da pessoa jurídica, separada da atuação da pessoa natural.
Nesse sentido.
"PENAL E PROCESSUAL PENAL RECURSO ESPECIAL CRIME AMBIENTAL RESPONSABILIZAÇÃO EXCLUSIVA DA PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE NECESSIDADE DE FIGURAÇÃO DA PESSOA FÍSICA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I. "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (REsp 889.528/SC, Rel. Min FELLX FISCHER, Quinta Turma, DJ 18/6/07)" (REsp. n° 865.864/PR, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j. 10/09/2009).
Ainda.
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. 3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício". (STJ, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 16.696/PR (2003/0113614-4) Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A PETROBRAS).
Todavia, na hipótese dos autos, não foram individualizadas, de qualquer forma, as pessoas naturais que, em nome do ente moral, teriam praticado o delito em questão.
Assim, mesmo que se compartilhasse o entendimento esposado pelo STJ, acerca da teoria da dupla imputação, ou seja, a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica, desde que conjuntamente com a pessoa natural, verifica-se, que na hipótese presente, a denúncia foi ofertada exclusivamente em face da pessoa jurídica, parte manifestamente ilegítima a impetrante para figurar no polo passivo da ação penal, havendo clara ausência de justa causa a permitir o prosseguimento da persecução penal.
Nesse sentido é o entendimento do eminente Desembargador Antonio Luiz Pires Neto:
“Com efeito, é possível cogitar-se da prática de infração penal por uma pessoa jurídica, que nada mais é que uma ficção legal e, pois, ente moral que só pode agir no plano fático por meio de interposta pessoa física, se a conduta imputada vier associada à conduta de seus sócios, diretores ou representantes legais que, de alguma forma, tenham determinado a prática das ações delituosas em nome do ente moral. Por isso é que, sem que da denúncia conste a descrição dessa conduta paralela de outras pessoas físicas igualmente alcançadas pela imputação inicial, na formação de verdadeiro concurso de pessoas, a ação penal não pode ser instaurada. (...) Afastado o fundamento da inconstitucionalidade, concederam "habeas corpus" de ofício para decretar o trancamento da ação penal por inépcia da denuncia.” (TJSP, Apelação n.º 993.04.001304-6, 2ª Câmara Criminal, j. 17/05/2010).
Destarte, é manifestamente inepta a denúncia, mas, antes, carecedor o Ministério Público do direito dessa espécie de ação penal, porquanto lhe falece possibilidade jurídica do pedido.
Isto posto, concede-se a segurança, para determinar a anulação do feito a partir da denúncia e o trancamento da aço penal nos autos de n°108.01.2009.003621-9 controle 392/2009, em curso pela Vara Única do Foro Distrital de Cajamar.
PAULO ANTONIO ROSSI
RELATOR
Fonte: Migalhas
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