segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Enigma jurídico - Legislação trabalhista aplicada no campo é interpretativa e abre brechas para subjetividade

A legislação que é aplicada no meio rural para tipificar trabalho análogo à escravidão dá margem a interpretações, abrindo brechas para a subjetividade, sobretudo no que se refere à Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, mais conhecida como NR 31. Isso fica latente nas atividades do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), onde o relatório do auditor fiscal do trabalho é soberano e por si só tem poder de emitir uma sentença, condenando o empregador de imediato na esfera administrativa, sem qualquer oportunidade de esclarecimento e defesa. Este foi o principal recado da palestra do advogado Sólon Cunha, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Machado Meyer, durante o seminário “Aspectos jurídicos, riscos e financiamento do agro”, realizado no final de julho, em São Paulo (SP). Segundo Cunha, o problema é que, exceto no Código Penal, não existe legislação que defina objetivamente o que é trabalho análogo à escravidão. “Há uma ausência absoluta de um conceito sobre o que é trabalho escravo”, disse, acrescentando que “para tentar contornar isso, o executivo editou a Instrução Normativa 91 a fim de definir alguns parâmetros”. O primeiro problema, pontuou o especialista, é que ao ancorar a fiscalização num ato do executivo, o MTE está agindo errado, já que apenas uma lei pode dizer se algo é crime ou não. Além disso, há ainda o agravante, lembrou Cunha, de que a IN leva em conta a ocorrência das mais variadas situações para tipificar um trabalho como análogo à escravidão, como, por exemplo, jornada exaustiva. “Se fosse aplicada no meio urbano, muitos empregadores da cidade poderiam ser acusados de trabalho forçado.” “Existe muita ideologia envolvida nesta questão”, afirmou Elias Marques de Medeiros Neto, diretor jurídico da Cosan, também palestrante no seminário. Soma-se a isso, ressaltou, o fato de que há conflito entre o que diz o Código Penal e o que rege a fiscalização no campo. De acordo com o Medeiros Neto, um empregador pode ser sentenciado no âmbito administrativo – tendo inclusive seu nome incluído na lista do trabalho escravo –, mas não ser condenado com base no Código Penal. Para ele, há certa pirotecnia nas ações de fiscalização. “De fato, há excessos”, disse Cunha. Medeiros Neto chamou atenção ainda para o fato de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – que propõe expropriação de terras nos casos de trabalho análogo à escravidão -, em trâmite no Congresso Nacional, concede ainda mais poderes ao auditor fiscal do trabalho. OIT e NR31 Em sua fala, o advogado do Machado Meyer frisou ainda que pela ótica da Organização Internacional do Trabalho (OIT) muitos casos tachados como trabalho análogo à escravidão não seriam. “A OIT não caracteriza algum desacordo com a legislação trabalhista como trabalho forçado.” Ao final, Cunha citou ainda itens da NR 31 que dão margem à interpretações, como, por exemplo, “disponibilizar água em quantidade suficiente nos locais de trabalho.” Um fiscal, explicou o advogado, pode entender que o estoque de água disponível é insuficiente e autuar o empregador por isso. Já outro tópico, disse Cunha, determina que o “estabelecimento rural deverá estar equipado com material necessário à prestação de primeiros socorros”. A questão, indaga o advogado, é que não há especificação de quais itens este “kit de primeiros socorros” precisa ter. ”O fiscal pode achar que falta algo e autuar.”

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Juiz homologa habilitação de casamento entre duas mulheres

O juiz Alexandre Guimarães Gavião Pinto, titular da Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso de Itaguaí, homologoua habilitação de um casamento homoafetivo firmado entre duas mulheres, moradoras da cidade. A decisão foi proferida no dia 24 de julho e permite as duas contrair matrimônio pelo regime de comunhão universal de bens, de acordo com o pacto antenupcial já lavrado no Ofício de Notas de Itaguaí. Segundo o juiz, a matéria é polêmica, mas deve ser tratada sob o ponto de vista jurídico, a fim de assegurar garantias e prerrogativas legítimas previstas na Constituição Federal a uma minoria que ao longo da história da humanidade vem lutando pela conquista de direitos. “Inicialmente, mister se faz salientar que, a ainda polêmica, para certa parcela da sociedade, questão relacionada aos direitos civis homoafetivos, não pode, em hipótese alguma, ser analisada e dirimida sob a ótica religiosa ou meramente superficial, profundamente maculada por preconceitos milenares e posturas marcantemente discriminatórias, que não mais se sustentam num moderno Estado Democrático de Direito”, afirmou o juiz. Ele disse também que os direitos humanos fundamentais são definidos como direitos e garantias do ser humano, que tem como escopo o direito a sua dignidade, por meio da proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. “A questão da possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo se relaciona intimamente, não só com os direitos fundamentais acima tratados, mas também com os próprios direitos humanos”, ressaltou o magistrado. De acordo com ele, as uniões homoafetivas se enquadram no conceito de família conjugal traçado na Constituição Federal. “O amor existente numa família composta por consortes do mesmo sexo é tão relevante quanto o amor evidenciado numa família de consortes de sexo diverso, almejando, da mesma forma, o casal homoafetivo uma comunhão plena de vida e de destinos livremente escolhidos e trilhados em conjunto, de forma pública e solidária, continua e duradoura, o que revela que o hodierno conceito de família se baseia no amor incondicional e no louvável afeto que, aliado à publicidade, durabilidade e continuidade da união estabelecida, independe de o casal ser de sexos diferentes ou idênticos, até porque as famílias legitimamente formadas não podem mais ficar à margem da sociedade, com a exclusão dos direitos e legítimas prerrogativas de seus membros”, destacou. Na decisão, o juiz Alexandre Guimarães lembrou ainda que a ingerência do Estado na vida privada dos cidadãos é inconstitucional e desumana, “não podendo o direito ao casamento civil suportar restrições por parte do legislador ordinário, como já vem se posicionando, ainda que de maneira extremamente discreta, a jurisprudência pátria e os arestos dos tribunais superiores, o que inclui os Colendos Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal”. Fonte: TJRJ

domingo, 29 de julho de 2012

Considerações sobre Código de Defesa do Consumidor e seus principais princípios

O Código do Consumidor estabelece normas de ordem pública e interesse social, dentre as quais princípios específicos, como vulnerabilidade e harmonização das relações de consumo, que devem ser levados em consideração em todos os atos de apreensão do conteúdo da norma. _______________________________________________________________________________________ Resumo: O presente artigo analisa o Código de Defesa do Consumidor e os princípios da vulnerabilidade, harmonização das relações de consumo e coibição de abusos no mercado, considerados os mais relevantes e de maior influência no seio social, a fim de buscar seu significado e alcance. Palavras-Chave: consumo, código, princípios, vulnerabilidade, harmonização, coibição. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Surgimento do Código de Defesa do Consumidor. 3. A Política Nacional das Relações de Consumo. 4. Os Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo. a) Vulnerabilidade do consumidor; b) Harmonização de interesses nas relações de consumo; c) Coibição e repressão de abusos no mercado de consumo; 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas. 7. Notas. _______________________________________________________________________________________ 1. Introdução A necessidade de formulação de um conjunto de regras que regulamentasse os aspectos essenciais do consumo, foi uma verificação importante no Brasil, desde os idos da década de 1970, senão há mais tempo. A legislação especial, bem como a civil comum, ou mesmo a comercial, então vigentes, eram absolutamente incapazes de resolver, com Justiça, os novos problemas surgidos com o aparecimento da sociedade de consumo. Aliás, a inexistência de uma legislação específica sobre consumo, obrigava os operadores do Direito, apoiados nos esforços da doutrina, sobretudo embasada do direito comparado, a verdadeiros “malabarismos” hermenêuticos, muitas vezes com resultados desastrosos. A par de todas essas considerações, o legislador nacional soube adequar a experiência pátria, com o grande desenvolvimento doutrinário e legislativo estrangeiro, na elaboração de um Código de Defesa do Consumidor, regulamentando os aspectos essenciais do consumo, com abrangência protetiva na tutela civil, administrativa, penal e jurisdicional. Além disso, com o expresso objetivo de orientar a aplicação dos novos dispositivos, implantou a Política Nacional das Relações de Consumo, que não só inseriu princípios e instrumentos de realização próprios, mas também efetuou a declaração dos direitos básicos do consumidor. Embora já se tenham passado pouco mais de vinte anos de vigência do Código, muitas das questões principiólogicas ainda restam sem uma compreensão adequada e sistemática, seja na doutrina, seja na jurisprudência, ora pela confusão entre os próprios institutos existentes, ora pela má interpretação do significado e da abrangência dos princípios, principalmente o da vulnerabilidade e o da harmonização das relações de consumo. Nessa ordem de idéias, partindo de uma visão sistemática da matéria, com a devida análise legal, doutrinária e jurisprudencial, o trabalho que se segue objetiva analisar os dois principais princípios do microssistema defensivo e protetivo, a fim de alcançar seu real conteúdo, na busca de compreender o que pode ser entendido por vulnerabilidade e harmonização da relação jurídica de consumo. 2. O Surgimento do Código de Defesa do Consumidor A necessidade de um Código que regulamentasse as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores, na procura do equilíbrio entre produção, fornecimento e consumo, já era sentida no Brasil desde a década de 70[i]. Nesse sentido, o fato que pode ser observado, com muita exatidão e rigor, na obra do ilustre J. M. Othon Sidou (1977, p. 07-08), autor da primeira tentativa de imprimir ordem à matéria consumerista, através de seu “Esboço de Lei de Proteção ao Consumidor” : “O Esboço por nós elaborado não tem outra pretensão que servir de ensaio ao exercitamento de uma política nacional protetora do consumidor, aproveitando a colaboração privada, a partir de organismos associativos, na tarefa fiscalizadora, indispensável, indelegável e irrenunciável, do Poder Público. Se o Projeto se resumisse em estimular a criação e multiplicação desses organismos associativos de sorte a dar cobertura ao maior número possível de comunidades, teria, só por isto, cumprido grande parte de sua tarefa como lei de proteção ao consumidor. Se o projeto se resumisse a estimular a criação e multiplicação desses organismos associativos de sorte a dar cobertura ao maior número possível de comunidades, teria, só por isto, cumprido grande parte de sua tarefa como lei de proteção ao consumidor. Os advogados, validos dos códigos e das normas vigentes e batendo à porta dos tribunais, colheriam, sem dúvida, positivos resultados. Ocorre que nosso desejo não se concentra em estimular contendas judiciárias, senão reduzir ao mínimo o binômio adversativo consumidor/fornecedor, e isto só será possível plantando o terminus demarcador do onde e quando acaba o direito de um e começa o direito de outro.”. [ii] Malgrado os grandes esforços da doutrina nacional, apoiada sobretudo em análises de Direito Comparado[iii], até então não existia, no ordenamento jurídico brasileiro, uma coerência legislativa sobre o tema[iv] [v], problema cuja dimensão, com muita perspicácia, também foi detectada por Orlando Gomes (1986, p.120): “A conclusão é que a política legislativa de proteção ao consumidor contra abusos da sociedade de consumo ainda não possui diretrizes coerentes para regência uniforme das relações entre produtores e distribuidores, de um lado, e consumidores, de outro. A matéria continua a ser objeto de textos esparsos, de vacilantes construções jurisprudenciais e de análises doutrinárias que não conduzem a uma teoria montada sobre uma política de consumo que permita aos consumidores defender-se das práticas incontroladas e abusivas quanto à segurança, à qualidade, à distribuição e ao preço dos bens e serviços.”[vi] No entanto, mesmo apuradas as dificuldades, que já se espraiavam por todo o Direito Civil[vii], o desenvolvimento de uma legislação consumerista brasileira andou a passos lentos[viii]. Tal condição não é de todo estranha, na medida em que os problemas referentes ao consumo foram primeiramente identificados e tratados nos países de sólido desenvolvimento industrial[ix], e só um pouco mais tarde constituíram preocupação nos países com industrialização postergada[x]. Não obstante a diversidade temporal de absorção da matéria, que ocasionou uma disparidade de tratamento nos vários países, é de se constatar que em todos os sistemas jurídicos há um ponto comum: é necessário proteger e defender o consumidor em face do fornecedor[xi]. Da perspectiva emanada dessa órbita, pode-se destacar algumas das questões que mereceram acentuada atenção mundial, vez que consistem na síntese do problema consumerista: a) a educação para o consumo; b) a fabricação de produtos e a prestação de serviços seguros; c) a proteção contra a propaganda e a publicidade abusiva e enganosa; d) a liberdade de escolha de produtos e serviços; e) a efetiva igualdade nas relações contratuais; f) a eficaz reparação ou compensação dos danos provenientes da introdução de produtos ou serviços no mercado; g) a facilitação da propositura de ação; h) a tipificação de crimes contra o consumo[xii]. A par de todas essas considerações, o legislador nacional soube bem aproveitar a experiência nacional com o grande desenvolvimento legislativo e doutrinário estrangeiro, pois em cumprimento da diretiva constitucional, impulsionada pelo ‘movimento consumerista brasileiro’, nasceu não só uma lei (8078/90), mas um verdadeiro Código de Defesa do Consumidor[xiii]. Nesse passo, para o objetivo que ora se leva adiante, é de se registrar que não ocorreu apenas à reunião ou aglutinação dos principais textos normativos em um único corpo legislativo, uma mera consolidação consumerista. Ao contrário, houve a total sistematização da matéria, que adquiriu coerência, consonância, coesão e, por conseguinte, indiscutível autonomia, a merecer a criação de um novo ramo do Direito[xiv]. A autonomia resta bem individualizada ao se constatar a existência de um verdadeiro codex[xv], que buscando concretizar os fundamentos constitucionais da República, insere princípios e instrumentos de realização próprios (art. 4º e 5º), direitos básicos (art. 6º), regulamentando a tutela civil (art. 8º ao 54), administrativa (art. 55 ao 60), penal (art. 61 ao 80) e a jurisdicional (art. 81 ao 104). Como informa Reich (1996, p. 22), a codificação realizada é uma verdadeira inovação no cenário mundial, só equiparável à realizada na Espanha, vez que a maioria dos países ainda não conseguiu desenvolver um Código do Consumidor que possa ser equiparado, pela sua autonomia, especialidade e unidade, a um Código Comercial, ou até a um Código Civil[xvi]. Sem entrar a fundo na problemática da validade contemporânea de uma codificação[xvii], cabe constatar que o início da vigência do Código de Defesa do Consumidor, em março de 1991, marca um instante único na história jurídica brasileira. Destarte, percebe-se o afastamento da aplicação de grande parte do Código Civil de 1916 e do Código Comercial, pois várias matérias, tradicionalmente tratadas (v.g. compra e venda, seguros, crédito), sofrem a abrangência das novas disposições protetivas e defensivas, mais hábeis à consolidação de uma igualdade substancial nas relações jurídicas de consumo. Mais corrobora a afirmação, o texto do próprio art. 1º[xviii], que afirmando a natureza de ordem pública e de interesse social do Código, está a dispor que os dispositivos são cogentes, verdadeiramente inderrogáveis pela vontade de seus protagonistas[xix]. Ressaltando a natureza de ordem pública e de interesse social das normas do Código de Defesa do Consumidor, José Geraldo Brito Filomeno (1997, p.11) assevera que “embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial, ...”, como é o caso do art. 107, que dispõe sobre as convenções de consumo, “o caráter cogente, todavia, fica bem marcado sobretudo na Seção II do Capítulo IV ainda do Título I, quando se trata das chamadas ‘cláusulas abusivas’, fulminadas de nulidade (cf. 51 do Código), ou então já antes, nos arts. 39 a 41 que versam sobre as práticas abusivas.”[xx]. Por outro lado, e é imprescindível destacar, vez que tal fato terá consideráveis conseqüências na interpretação normativa, o objetivo do Código não é o de substituir a vontade das partes dentro da relação de consumo (e até antes desta se perfectibilizar), pura e simplesmente, pela vontade do Estado. Longe disso, o real objetivo é o de proporcionar uma verdadeira igualdade, inexeqüível sob o império do poder do fornecedor, que opera em pleno detrimento do consumidor[xxi]. O que ocorre, por meio do Código de Defesa do Consumidor, é a constatação de um fato há muito conhecido pelo senso comum: o poder corrompe a relação entre os sujeitos, em benefício do seu titular, que tem à sua disposição os recursos materiais e imateriais necessários para dirigir a sua forma e o seu conteúdo[xxii]. Assim há, claramente, uma contraposição do poder jurídico versus poder de fato, para a proteção e a defesa dos sujeitos que, não possuindo os meios indispensáveis para produzir igualdade, têm seus interesses devidamente protegidos e tutelados, com o estabelecimento de princípios e normas jurídicas, que visam realizá-la. De todas essas ponderações, duas observações são de indispensável destaque para o tema ora proposto, visto que refletem diretamente na interpretação do art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor. A primeira, é que o Código de Defesa do Consumidor surge para efetuar o equilíbrio de forças entre fornecedores e consumidores no seu relacionamento, não havendo quaisquer especificações sobre o tipo de força a ser equilibrado, visto que essa força ou poder se apresenta de forma genérica, não distinguível a priori, consistindo em uma representação de fato[xxiii]. A segunda, é que em havendo sistematização da matéria consumerista, que adquiriu incontestável autonomia, há também a formulação de princípios e de instrumentos próprios, que deverão orientar todo o processo de compreensão das normas jurídicas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive o art. 2º. A fim de que não restem dúvidas sobre esses pontos, visto que terão grande importância na apreciação do art. 2º, cabe analisar a Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º), da qual se poderá inferir, com maior precisão, a característica autonômica do Código, implicando na função orientadora de seus princípios, bem como a qualidade peculiar do poder dos fornecedores em contraste à vulnerabilidade. 3. A Política Nacional das Relações de Consumo Dentro das inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, está fixação de uma Política Nacional para as Relações de Consumo, através do art. 4º[xxiv], que é devidamente instrumentalizada através do art. 5º[xxv]. Pelo que se extrai do art. 4º, a referida política consiste na especificação de um conjunto de princípios diretores, e de instrumentos implementadores, que irão não só informar o trabalho constitucional do Estado, na busca de harmonia nas relações de consumo, mas também servir de orientação dos atos de compreensão dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Não obstante o pensamento divergente, de alguns setores da doutrina, no sentido de que o dispositivo carece de interesse prático, não passando de norma programática, no sentido pejorativo do termo, parece que a verdade se encontra em outra direção[xxvi]. E isso ocorre, principalmente, e é importante destacar para os fins do presente estudo, na medida em que esse artigo sinaliza duas funções essenciais, que são as do próprio Código de Defesa do Consumidor: a) a complementação da defesa constitucional, traduzindo a idéia de vinculação a um sistema jurídico; b) a de laborar na qualidade de verdadeira norma-objetivo. Considerando a existência de um sistema jurídico, uma unidade sistemática, onde as normas estão em ordem de afinidade e coerência com o todo, e também entre si[xxvii], resta evidente que o art. 4º se apresenta na qualidade de uma complementação do próprio texto constitucional, tanto do art. 5º, inc. XXXII, como do art. 170[xxviii]. Ora, se a norma constitucional estabelece um dever promocional por parte do Estado, como já se constatou no capítulo anterior, seria indispensável que a legislação infraconstitucional, realizando a integração do sentido, delineasse os limites a serem respeitados, e até mesmo os instrumentos a serem utilizados (art. 5º), pelo Poder Público, em sua missão harmonizar a relação entre consumidores e fornecedores[xxix]. E é exatamente isso o que faz o art. 4º, e também o art. 5º, do Código de Defesa do Consumidor, pois há a expressa fixação de limites à norma constitucional, tanto pela imposição de princípios, quanto pela especificação de alguns dos instrumentos através dos quais o Poder Público poderá laborar para alcançar as metas estipuladas. Como se observa, a Política Nacional das Relações de Consumo é, realmente, como a palavra indica, uma verdadeira política, condizente com o seu significado mais clássico, que é o de ciência de bem governar, uma vez que possui por meta a declaração de princípios e instrumentos indispensáveis a realização de um bom governo, que será tanto mais perfeito, quanto maior for o desejo do Estado de cumprir as suas precípuas finalidades[xxx]. José Geraldo Brito Filomeno (1997, p. 44-45), em comentário ao tema, afirma que o objetivo do Código não é o de semear a discórdia entre consumidores e fornecedores, mas introduzir uma política que alcance a harmonia entre esses protagonistas, tendo em vista que a atividade dos dois agentes é indissolúvel[xxxi], na medida em que o consumo é a única finalidade da atividade de produção, sem a qual essa se torna insustentável[xxxii]. Nesse sentido, mesmo tendo a referida política o objetivo de atendimento das necessidades básicas dos consumidores, não a dos fornecedores, cabe ao Estado se preocupar com a transparência e a harmonia das relações de consumo, na medida em que isso implique na compatibilização dos interesses porventura conflitantes. Por isso, o objetivo do Estado, ao tratar desse tema, dentro de suas múltiplas competências, será o de reduzir os conflitos, protagonizando o papel de mediador e de regulador da relação de consumo, a fim de garantir a proteção e a defesa da parte mais fraca, mais desprotegida[xxxiii]. Quanto à segunda função, necessário dizer que o dispositivo em comento é de importância central para o Código de Defesa do Consumidor, pois além de positivar uma política, a ser cumprida pelo Estado, dentro dos objetivos constitucionalmente impostos, está alimentando o microssistema de proteção do consumidor não só de princípios e de padrões a serem alcançados, mas de valores a serem defendidos[xxxiv]. Nesse passo, o art. 4º, antes de normatizar desejos, intenções, anseios e aspirações, como pensam seus detratores, lança-se na qualidade de verdadeira norma-objetivo do Código de Defesa do Consumidor. Essa função resta bem delineada, ao se observar que o referido artigo possibilita a introdução, no universo jurídico, dos próprios fins perseguidos pelo microssistema, uma vez que acaba obrigando e condicionando o exame e a interpretação do microssistema através de padrões teleológicos e axiológicos perfeita e previamente definidos[xxxv]. Entendido desse modo, o art. 4º não fixa apenas princípios e metas para a defesa do consumidor, mas algo muito maior e mais significativo, princípios e metas para a Política Nacional das Relações de Consumo, o que afeta a linha de atuação de todos os poderes constituídos, dentro da órbita de suas respectivas competências, que não poderão se subtrair à missão de buscar a harmonia peremptoriamente exigida[xxxvi]. Traçadas as linhas gerais da Política Nacional das Relações de Consumo, em que se frisou as duas funções essenciais do art. 4º, cumpre examinar os seus princípios, visto que possuem grande significação para o microssistema, e importância fundamental para o presente estudo, na medida em que impõem uma subordinação à compreensão das normas consumeristas. 4. Os Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo A palavra princípio, do latim principiu ou principii, em seu sentido comum, transmite a idéia de começo, origem, de precedência, de ponto de partida, ou seja, a causa de um processo, ou o elemento ou conjunto de elementos que, sob determinado ponto de vista, assume o predomínio na constituição um corpo orgânico qualquer[xxxvii]. Dentro do âmbito da Teoria Geral do Direito, Miguel Reale (1991, p.300) afirma que princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas, cobrindo tanto o campo da pesquisa pura do direito quanto o de sua atualização prática[xxxviii]. No mesmo sentido, para Celso Antonio Bandeira de Mello (1996, p. 545), o termo jurídico princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, a disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência[xxxix]. Segundo esse autor, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico, é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário, que há por nome sistema jurídico positivo[xl]. Para o jurista português Canotilho (1993, p.534), fundamentado no pensamento de Alexy (1999, p. 29), os princípios, ao contrário das regras, são normas que exigem a realização ou a efetivação de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Desta forma, os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de - tudo ou nada -, como as regras o fazem, mas sim impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do possível, fático ou jurídico[xli]. Diante de todas essas definições, mas sem qualquer pretensão conceitual de fundo, pode-se afirmar, mui simplesmente, para os objetivos do presente trabalho, que os princípios jurídicos são proposições normativas que dirigem, direcionam, norteiam e concretizam os atos de compreensão, de interpretação e aplicação das regras jurídicas. Os princípios não se confundem com as regras jurídicas, na medida em que impõem apenas impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, servindo como elementos de integração do próprio sistema jurídico a que se referem[xlii]. Nesse passo, os princípios têm função de acentuado valor dentro do sistema, visto evidente que, mesmo não obedecendo à referida lógica do - tudo ou nada -, característica principal das regras, constituem não só o fundamento destas, mas também a própria estrutura fundamental do sistema jurídico, exalando toda a carga valorativa e finalística que deverá estar contida dentro do sistema[xliii]. Essas afirmações restam muito claras, ao se observar que o art. 4º, declarando que o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo é o acolhimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, entre outros, fixa princípios que constituem a própria razão de ser da defesa e da proteção ao consumidor. Nesse sentido, é o pensamento de Eduardo C. B. Bittar (1999, p. 66), ao mencionar que a Política Nacional das relações de Consumo instituiu a principiologia que rege todo esse novo ramo do direito, imprimindo-a para que seja cumprida pelo consumidor em face do Estado, pelo consumidor em face da empresa, pela empresa em face do consumidor, pela empresa em face do Estado, e pelo Estado em face do consumidor[xliv]. Assim, diante da importância desses princípios consumeristas, pois irão instruir não só as atividades do Estado, em sua missão promocional, mas também a própria interpretação do texto do Código, é indispensável, no presente trabalho, uma análise pontuada de seu conteúdo, que terá muita influência no descobrimento do conceito jurídico de consumidor[xlv]. No entanto, muito embora o Código, nos incisos do art. 4º, enumere oito princípios da esfera consumerista, por questões metodológicas, serão realizados comentários sobre apenas três, ou seja, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, a harmonização dos interesses dentro da relação de consumo e a coibição e repressão de abusos no mercado. Essa escolha se deve tanto à maior influência desses princípios sobre o artigo segundo, como também por sua condição de manifestar a própria essência do microssistema de proteção e defesa do consumidor, ou seja, a vulnerabilidade do consumidor, a necessidade de harmonia entre os agentes de consumo e a repressão das situações de abuso[xlvi]. a) Vulnerabilidade do consumidor O Código de Defesa do Consumidor, no art. 4º, após afirmar que o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo é o atendimento das necessidades do consumidor, dentro de padrões de respeito à sua dignidade, saúde e segurança, além de interesses econômicos e a harmonia nas relações de consumo, afirma que, para tanto, deverão ser atendidos alguns princípios, dentre eles, logo no inc. I, um dos mais importantes para a estrutura do microssistema, o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Dizer que alguma coisa, alguém ou que certa categoria de pessoas é vulnerável, significando fraqueza e fragilidade, importa dizer que há, por outro lado, como base de comparação, alguma coisa ou alguém forte e potente. Nesse passo, não se pode conceber vulnerabilidade, ou seja, o caráter ou a qualidade de ser vulnerável, senão em relação a algum ente, objeto ou situação que faça apontar este estado. Desta forma, havendo uma bipolarização, duas são as constatações necessárias. A primeira, no sentido de que, uma vez reconhecida a vulnerabilidade do consumidor, declarada estará também a potencialidade ou o poder, em sentido lato, inerente ao fornecedor. A segunda, que é conseqüência da primeira, caminha na direção de que para harmonizar o relacionamento entre ambos, é preciso equilibrar ou igualar as suas posições dentro do âmbito no qual elas ocorrem, de forma a haver satisfação mútua, única e maior causa do próprio contato, sem que haja quaisquer prejuízos para os seus protagonistas[xlvii]. Essas considerações restam absolutamente verificadas, ao se observar que dentro da sociedade de consumo, o consumidor, tanto como indivíduo, quanto como categoria, é vulnerável diante do fornecedor, que tem o poder, em todas as sua acepções, de gerar e gerir a sua atividade econômica. O poder resta bem caracterizado, ao se constatar que é o fornecedor quem impõe a aquisição ou a utilização de produtos ou de serviços, prontos e acabados, cuja formação e desenvolvimento ocorre de acordo com seus gostos e vontades, não restando outra alternativa aos consumidores, ora subjugados, senão a de escolher entre a variedade existente no mercado[xlviii]. Em verdade, como já se sublinhou, o próprio aparecimento do imperativo da defesa e da proteção do consumidor, no cenário mundial, é fruto da constatação dessa vulnerabilidade, e da potência do fornecedor, resultado de todas as transformações sociais e econômicas ocorridas nos dois últimos séculos, principalmente a desindividualização do produto, que acabou gerando a despersonalização do destinatário final[xlix]. Assim, a importância do referido princípio é essencial para o microssistema de proteção e defesa do consumidor, isto porque, como já se verificou, apesar do consumidor fazer parte do processo produtivo, visto evidente que esse só se completa com a aquisição do produto ou a utilização do serviço, não é ele quem comanda ou controla essa ação[l]. Muito ao contrário, a sua participação é finalística, vez que é o fornecedor, o detentor dos meios de produção[li], aquele que decide aquilo que deseja produzir, a forma e o modo pelo qual deseja produzir, bem como a quais pessoas o resultado desse processo será oferecido. Aliada a essa fragilidade, de natureza assaz técnica, deve-se acrescentar que o consumidor também é o economicamente vulnerável, visto que o fornecedor, no mais das vezes, é quem possui poder econômico, o capital, que lhe permite decidir todos os aspectos de sua atividade, tais como: a) quais serão suas margens de lucro; b) o preço do produto ou do serviço; c) a época correta de introdução do produto no mercado; d) as estratégias de marketing, visando a melhor aceitação; e) a forma e o conteúdo dos contratos a serem realizados; f) as condições de pagamento[lii]. Salientando esses dois aspectos da vulnerabilidade, no sentido de que o reconhecimento do princípio é a primeira medida de realização da isonomia garantida pela Constituição Federal (art. 5º, caput), Luiz Antonio Rizzato Nunes (2000, p.106) faz a seguinte distinção: “O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido. É por isso que, quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais. O segundo aspecto, o econômico, diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é exceção à regra geral.”[liii] Pelo que se pode observar, apesar da análise estar cientificamente correta, essas duas modalidades estão intimamente vinculadas, não se podendo dizer que haja uma vulnerabilidade técnica desvinculada da econômica, ou vice-versa. Nesse sentido, é somente graças ao poder econômico, manifestado pela detenção do capital, ainda que possa ser relativo, que o fornecedor pode ter e obter os meios indispensáveis para criar, desenvolver e administrar os produtos e serviços, antes ou depois de sua entrada no mercado de consumo[liv]. Além desses dois aspectos importantes da vulnerabilidade, Cláudia Lima Marques (2002,p.271-272) acrescenta mais um, a vulnerabilidade jurídica ou científica do consumidor, consistente não só na inexistência ou insuficiência de conhecimentos jurídicos específicos, mas também de ciência sobre os aspectos econômicos e contábeis que se incidem sobre a relação entabulada com os fornecedores[lv]. É relevante identificar, para os objetivos do presente trabalho, que o poder do fornecedor se manifesta em projeções específicas, dividindo a vulnerabilidade em tantas fragilidades quantas forem as constatadas no mundo dos fatos. Assim, da mesma forma que há um só poder, por parte do fornecedor, há também uma só vulnerabilidade do consumidor, mesmo que essa se apresente, em determinadas situações específicas, de maneira mais evidente do que as demais, de modo que se pode denominá-la econômica, fática, científica, técnica etc. Essa constatação é importante, como se verá mais adiante, visto que não é possível vincular a vulnerabilidade, como querem alguns, ao aspecto somente econômico, que apesar de fazer parte da realidade, não constitui a realidade inteira. Também importante para o tema, é a constatação de que o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade estabelece uma presunção jurídica iure et de iure, de que o consumidor é sempre a parte mais frágil dentro da relação de consumo. E isso, é de se frisar, sem a existência de quaisquer ressalvas, de ordem jurídica ou mesmo fática, considerando que ele é o destinatário final do produto ou do serviço oferecido, cuja elaboração, transformação, e posterior introdução no mercado de consumo, em nada contribuiu[lvi]. Nesse sentido, Roberto Senise Lisboa (2011, p.86) afirma que para se caracterizar a vulnerabilidade pouco importa a situação econômica ou a classe social do consumidor, bem como seu grau de instrução, ou se o bem foi adquirido para o exercício de atividade profissional ou não, pois a vulnerabilidade é qualidade indissociável do destinatário final do produto ou do serviço, é adjetivo que se encontra sempre ligado ao consumidor, sem que qualquer ressalva tenha sido expressamente efetivada pelo legislador nacional[lvii]. Aqui não há de se confundir vulnerabilidade com hipossuficiência, pois embora todo consumidor seja sempre vulnerável, por expressa disposição legal, nem sempre ele é hipossuficiente. A hipossuficiência, como a própria palavra já indica, é a vulnerabilidade levada a extremos, seja ela econômica, jurídica, social ou cultural, ou outra, pois deixa a parte mais fraca, ainda mais debilitada frente ao fornecedor, demandando uma maior proteção do microssistema, como nos demonstra o próprio o art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor[lviii], que aliás é o único que trata dessa condição. A constatação é importante para o tema do presente trabalho, uma vez há correntes doutrinárias que pretendem reduzir a vulnerabilidade à hipossuficiência, principalmente a econômica, o que não encontra guarida nem no art. 4º, muito menos no art. 2º[lix]. Após essa análise, é forçoso afirmar que o legislador nacional, através do art. 4º, inc. I, conseguiu elaborar uma norma jurídica, da espécie princípio, que está em plena relação de concordância não só com o princípio constitucional da defesa do consumidor (art. 5º, inc. XXXII), mas também com o próprio princípio constitucional da igualdade (art. 5º[lx]). Com efeito, na trilha do pensamento de Celso Antonio Bandeira de Mello (1984, p. 59-60), é indiscutível que o princípio constitucional da isonomia foi corretamente observado, pois o fator de discrímen escolhido pela norma, ou seja, a vulnerabilidade genérica e absoluta, que é adotada para qualificar a categoria jurídica atingida, que é a dos consumidores, guarda perfeita relação de pertinência lógica com a diferenciação que dela resulta[lxi]. b) Harmonização dos interesses dentro da relação de consumo Não obstante a essencial importância do princípio da vulnerabilidade para a Política Nacional das Relações de Consumo, e para o microssistema de defesa e proteção do consumidor, visto que constitui a sua própria razão de ser, o art. 4º, através do inc. III, também destaca outro princípio de alta relevância, ou seja, a harmonização dos interesses dentro da relação de consumo, nos seguintes termos: “inc. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;” Como se percebe, o Código não se limita, meramente, a enunciar que a Política Nacional das Relações de Consumo deve buscar a concórdia entre os interesses dos partícipes da relação de consumo. Ao contrário, fornece pelo menos dois parâmetros, previamente delineados, para que esse objetivo possa ser alcançado, constituindo as verdadeiras bases de sustentação do princípio: a) o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; b) a boa-fé objetiva. Assim, como já se destacou anteriormente, quando dos comentários ao caput do art. 4º, se o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo é o atendimento das necessidades dos consumidores, uma vez que ele é o ente vulnerável dentro do mercado de consumo, não se estaria verdadeiramente equilibrando a relação entre os agentes, a fim de produzir real igualdade, caso se adotasse e impusesse um tratamento draconiano para o fornecedor[lxii]. Ora, mesmo considerando que, grosso modo, inexiste sequer uma razoável distribuição de renda, ou dos resultados materiais da produção, não só no Brasil, mas no cenário mundial, é impossível deixar de admitir que a atividade dos fornecedores traz incontestáveis benefícios para sociedade[lxiii]. Destarte, não se pode permitir que, a pretexto de defender ou proteger o consumidor, o equilíbrio relacional seja rompido, de forma a obstaculizar ou paralisar o progresso econômico, tecnológico, científico, ou até mesmo o desenvolvimento das atividades econômicas dos fornecedores. Nesse passo, a própria existência constitucional do consumidor, seja como garantia individual e coletiva (art. 5º, inc. XXXII), seja como princípio da ordem econômica (art. 170, inc. V), já indica que a harmonia dentro da relação de consumo é condição indispensável para a sobrevivência desses protagonistas. Basta relembrar, nessa ordem de idéias, a obrigatoriedade de conciliação e compatibilização da defesa do consumidor com outros princípios de grande relevância para o sistema jurídico, como a livre concorrência, a livre iniciativa, a função social da propriedade etc[lxiv]. Por conseqüência, para que haja harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, é preciso que se mantenha o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, de maneira que sejam garantidas formas de manutenção da atividade econômica, mas sem ameaça ou agressão aos interesses dos consumidores. Como se percebe, o princípio trabalha com o especial propósito de atingir os objetivos da República Federativa do Brasil, ou seja, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, enfim, promover o bem de todos (art. 3º, CF). A despeito dessas considerações, que tem por base a noção de equilíbrio, chegando às raias da eqüidade[lxv], de indispensável presença nas relações de consumo, necessário ressaltar que o mencionado princípio também ergue suas pilastras sobre outro grande parâmetro, a boa-fé, que deverá guiar toda a harmonização do relacionamento entre o consumidor e o fornecedor no mercado de consumo[lxvi]. No entanto, não se trata aqui da boa-fé no sentido subjetivo, significando aquele estado de consciência no qual o sujeito acredita estar agindo em conformidade com o Direito. Antes disso, a boa-fé percebida de forma objetiva, que constitui um modelo de conduta social, ou um standard jurídico, determinando que cada parte, dentro da relação de consumo, ou até mesmo antes que essa aconteça, deverá atuar como atuaria, naquela mesma situação ou relação jurídica, um indivíduo reto, honesto, leal, digno e probo[lxvii]. Nesse sentido, James Marins (2000,p.42) afirma que a transparência e a harmonia das relações de consumo, apontadas no caput do art. 4.º como um dos objetivos da Política Nacional das Relações de consumo, será o resultado dessa conduta geral de boa-fé, que deve ser colimada pelos dois pólos integrantes das relações de consumo, pois mesmo que em posições de aparente antagonismo, tem o objetivo comum de melhor, mais eficiente e eficazmente, fazer circular mercadorias e serviços, com a conseqüente geração de riquezas e benefícios para ambos[lxviii]. Assim, o contato entre fornecedor e consumidor deverá ser pautado não só no equilíbrio, mas também na boa-fé que as partes deverão manter durante a relação de consumo, e inclusive nas fases antecedentes e posteriores à sua concretização[lxix]. Como se observa, compreendido nesta noção está a idéia de que cada parte deve saber, objetivamente, o que esperar da parte contrária, sem a existência de quaisquer surpresas, de maneira que os próprios objetivos que as uniram sejam atingidos. Essas considerações são necessárias para o objetivo que ora se define, na medida em que constituem o ambiente no qual se fará a interpretação do art. 2º, do qual se revela não apenas a necessidade de harmonização das relações de consumo, mas o dever das partes de agirem objetivamente em boa-fé, principalmente em se tratando de consumidores. A última observação é pertinente, como se constatará, uma vez que se entende o dever de boa-fé como implícito no próprio artigo segundo, que declara consumidor aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como seu destinatário final. Apenas para complementar, necessário dizer que essa boa-fé objetiva, entendida como o dever de conduta que razoavelmente se espera das partes, em uma determinada relação jurídica, impede qualquer conduta abusiva, e é contrário à não observância das normas jurídicas e da eqüidade, constituindo um princípio orientador das condutas sociais extremamente ligado ao princípio da razoabilidade, dele facilmente se deduzindo o comportamento pelo qual as partes devem se pautar[lxx]. c) A coibição e repressão de abusos no mercado de consumo O terceiro princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, inc. VI, art. 4º, é de estreita ligação com os dois outros estudados, pois na coibição e repressão[lxxi] eficientes dos abusos praticados no mercado de consumo (concorrência desleal, utilização indevida de inventos e criações industriais, marcas e nomes[lxxii]), existe, no mínimo, uma complementação ou integração dos princípios da vulnerabilidade e da harmonização[lxxiii]. Nesse passo, enunciar um princípio através do qual se determina, ainda que de forma genérica, uma coibição ou repressão aos abusos praticados no mercado de consumo, em prol do consumidor, por si só já indica, e demonstra, em primeiro lugar, que há uma vulnerabilidade latente por parte do consumidor, e, em segundo, que existe a necessidade de harmonização e compatibilização de interesses entre consumidor e fornecedor. Destarte, surgindo o próprio microssistema como forma jurídica de contenção ou supressão aos abusos praticados pelos fornecedores, não seria lógico que a Política Nacional das Relações de Consumo deixasse de promover a ascensão dessa coibição para a qualidade de princípio consumerista, de forma a nortear a compreensão, a interpretação e a aplicação das regras jurídicas formuladas. Daí se vê que o princípio da coibição e repressão, tal qual os demais estudados, é de importância capital para a Política Nacional das Relações de Consumo e para o microssistema, na medida em que influencia toda a construção de medidas que visaram o combate a abusos no mercado. Nesse sentido, basta verificar os dispositivos referentes às Práticas Comerciais (art. 30 e segs.), alcançando oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, bancos de dados de consumo; à Proteção Contratual (art. 46 e segs), que compreende cláusulas abusivas, contratos de adesão e infrações administrativas; às Infrações Penais (art. 61 e segs.); até a Defesa do Consumidor em Juízo (art. 81 e segs.). Por outro lado, é de se constatar que o princípio da coibição e repressão de abusos no mercado de consumo tem íntima ligação também com o art. 170 e segs., da Constituição Federal, isso porque, de maneira geral, o que se busca com a repressão da concorrência desleal e da utilização indevida de inventos e criações industriais, marcas, nomes comerciais e signos distintivos, é a objetivada harmonização da ordem econômica[lxxiv]. Não obstante, muito embora possa parecer que o princípio visa proteger apenas o consumidor, tal não se verifica, visto que o seu objetivo é o de resguardar também os direitos e interesses do fornecedor. Nesse passo, se por um lado protege diretamente o consumidor, individual e coletivamente, pela repressão aos abusos no mercado de consumo, que podem lhe causar óbvios danos, indiretamente também está protegendo os próprios fornecedores, visto que a coibição propalada atinge não só a proteção de marcas, patentes e inventos industriais, mas a garantia de livre concorrência[lxxv]. Sobre o assunto, útil é a transcrição dos ensinamentos de José Geraldo Brito Filomeno (1999, p.58-59): “Assim, em uma economia de mercado – como ainda pretende ser a nossa, por quanto ainda não o é – é fundamental que exista a livre concorrência entre empresas, já que é por seu intermédio que se obtém a melhoria de qualidade de produtos e serviços, o desenvolvimento tecnológico na fabricação e melhores opções ao consumidor ou usuário final. Conclui-se facilmente, por conseguinte, que se a livre concorrência não é garantida e o mercado passa a ser dominado por poucos, sem que haja fiscalização governamental, a tendência é o aumento de preços de produtos e serviços, a queda da sua qualidade, a redução de alternativas de compras e a estagnação tecnológica. Tudo isso porque, como curial, inexiste a competitividade, que obriga ao aperfeiçoamento dos processos de fabricação, mediante pesquisas e adoção de métodos produtivos e administrativos mais eficientes.”[lxxvi] Nessa ordem de idéias, é inegável que a garantia da livre concorrência, aqui entendida em seu sentido econômico, na qualidade de situação na qual se encontram os agentes produtores, de estarem dispostos à competição de seus rivais, sem que haja a preponderância de algum ou alguns sobre todos os demais[lxxvii], é extremamente benéfica, tanto para os fornecedores, como para os consumidores[lxxviii]. Para os fornecedores, com efeito, a acirrada competitividade que fundamenta e chancela a livre concorrência, acaba por implicar na melhoria direta da de sua atividade econômica, pois estimula o desenvolvimento e o crescimento do processo técnico e científico, alcançando o maior angariamento de clientela consumidora, e, por conseqüência, do lucro esperado, garantindo a sua própria sobrevivência dentro do mercado. Do lado dos consumidores, por sua vez, a livre concorrência também ocasiona expressivos benefícios, visto que esses passam a poder contar com uma multiplicidade de produtos e serviços disponíveis no mercado, produzidos por empresas independentes, que disputam lugar dentro desse âmbito, em todos os aspectos que interessam aos consumidores, tais como: preço, qualidade, quantidade, condições e prazos de pagamento, status de consumo etc[lxxix]. Destarte, é necessário mencionar que a coibição evidenciada pelo princípio não incide sobre quaisquer abusos, mas sim dos excessos praticados dentro do mercado de consumo que constituam verdadeiros “abusos de direito”, expressão aqui entendida em seu sentido mais amplo, de violação do princípio geral de que os direitos devem ser exercidos dentro de certos limites, a fim de que seja atingida a finalidade em vista da qual foram conferidos e tutelados[lxxx]. Assim, no abuso de direito consumerista, há implícita a idéia de que o fornecedor, e, porque não dizer, também o consumidor[lxxxi], deverão restringir o uso e o gozo de seus direitos aos próprios limites que deles se exalam, de forma a atender, substancialmente, à finalidade e ao valor acolhido pelo microssistema, sob pena de responder pelo dano eventualmente causado pelo excesso, ou pela ameaça de prejuízo. 5. Conclusão O Código Defesa do Consumidor estabelece normas de ordem pública e interesse social, dentre as quais princípios específicos, dos quais os mais importantes são o da vulnerabilidade e da harmonização das relações de consumo, que devem ser levados em consideração em todos os atos de apreensão do conteúdo da norma. A vulnerabilidade deve ser entendida em sentido lato, como presunção jurídica absoluta, envolvendo qualquer indivíduo que intervier em uma relação de consumo, levando em consideração especialmente sua especial fragilidade genérica, ante a potência do fornecedor, detentor dos meios de produção, e não apenas aspectos específicos de cada consumidor, que eventualmente, embora vulnerável, não o seja em todos os aspectos passíveis de análise. De outro lado, a harmonização das relações de consumo, enquanto princípio, não significa diretamente uma perda de poder por parte do fornecedor, mas sim o equilíbrio de poderes deste com o relacionalmente vulnerável, que é presumivelmente mais fraco, de modo a não se inviabilizar a atividade econômica, que produz riquezas e é de interesse de todos, de interesse da sociedade, e ao mesmo tempo garantir o interesse individual e coletivo à segurança, saúde, à vida, à integridade moral, ao patrimônio etc. Nesta ordem de idéias, o principio da coibição e repressão no mercado vem complementar as garantias proporcionadas pelos princípios da vulnerabilidade e harmonização, sendo de importância vital para a Política Nacional das Relações de Consumo e para o microssistema, na medida em que influencia a construção de medidas que visem o combate a abusos no mercado, especialmente a concorrência desleal, a utilização indevida de inventos e criações industriais, marcas e nomes, protegendo a coletividade consumidora e também os próprios fornecedores. 6. 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Notas 1“A idéia de um corpo orgânico de normas de proteção ao consumidor foi lançada, em nosso país, em meados da década de 70, tendo germinado sob a ação de inúmeras e ineficientes intervenções estatais na economia, as quais faziam, a cada passo, desnudar-se a fragilidade do regime então vigente, com o sucessivo atingimento – e sem resposta satisfatória – de inúmeros direitos dos consumidores, em ações de que resultaram falta de produtos no mercado, sonegação de mercadorias, formação de estoques especulativos e cobrança de ágio na comercialização, a par de outras práticas abusivas (principalmente 1986-1987).”. BITTAR, C. A. op. cit., p. 11. 2 SIDOU, J. M. O. Proteção ao consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p 07-08. 3 “As preocupações com a proteção do consumidor de há muito deixaram de ser novidade (a não ser, talvez, em certas áreas do nosso meio social), posto que nos países ditos desenvolvidos, trata-se de tema que há vários anos vem sendo estudado e discutido, com repercussões além dos lindes doutrinários, também no plano legislativo e no judiciário tomando com o tempo uma dimensão universal, do qual são exemplos várias resoluções de âmbito internacional, como as da ONU.” BULGARELLI, W. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991, p. 17-18. 4 A exemplo disso veja-se a quantidade de normas esparsas existentes, regulamentando os mais variados temas: Dec. nº 22.626/33 (limitação de juros); Dec.- Lei nº 869/38 (crimes contra a economia popular); Dec.-Lei 7.903/45 (concorrência desleal); Dec.-Lei nº 9.840/46 (consolidação de infrações sobre crimes contra economia popular); Lei Delegada nº 4/62 (intervenção no domínio econômico para assegurar a distribuição de produtos de primeira necessidade); Lei nº 5.491/64 (compra e venda de imóveis); Lei nº 5.772/71 (propriedade industrial); Lei nº 6.024/74 (proteção da poupança popular); Lei nº 6.463/77 (vendas à prestação); Lei nº 7.492/88 (gestão fraudulenta de empresa). [v] “Antes da vigência do Código, portanto, a legislação brasileira apresentava apenas normas esparsas de tutela indireta dos interesses dos consumidores, por vezes como meras referência implícitas a tais interesses. O nosso direito, assim, encontrava-se um tanto atrasado em relação à tendência mundial, de quase três décadas, no sentido de procurar tratar de forma mais abrangente a questão. A famosa mensagem ao Congresso norte-americano do presidente Kennedy, em 15 de março de 1962, pode servir de marco representativo dessa tendência, designada pela expressão ‘consumerismo’.” COELHO, F. U. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. [vi] GOMES, O. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986, p. 120. [vii] Vale lembrar que foi no ano de 1975, que o então Presidente Ernesto Geisel submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 634-D, que veio originar o atual Código Civil, Lei nº 10.406/2002. [viii] “Como tema específico, a defesa do consumidor no Brasil é relativamente nova. São de 1971 a 1973 os discursos proferidos pelo então Deputado Nina Ribeiro, alertando a gravidade do problema, densamente de natureza social, e para a necessidade de uma atuação mais enérgica no setor.” ALMEIDA, J. B. op. cit., p. 10. [ix] O pronunciamento do Presidente Kennedy ao Congresso, em 1962, é considerado o marco inicial para o desenvolvimento da matéria consumerista, visto que afetou não só os Estados Unidos, mas o mundo todo. [x] O historiador Maurice Crouzet, analisando o desenvolvimento dos países da América latina, afirma que industrialização no Brasil só toma vulto após a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, destaca que se, no início da industrialização brasileira, em 1930, a produção industrial representa um décimo da renda nacional, no ano de 1950 esse número já subiu para mais da metade da renda (História Geral das Civilizações. 3ª ed. São Paulo: Difel, 1974, tomo VII, v. 3, p. 16-7). [xi] A respeito da diversidade de tratamento da matéria, muito ilustrativo é o estudo efetuado por J. M. Othon Sidou, já em 1977, onde traça o desenvolvimento da matéria consumerista, até aquela época, nos então chamados países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos, passando pela Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça (op. cit., p. 18-41). [xii] A maioria desses pontos comuns foram enunciados pela Organização das Nações Unida, através da resolução nº 39/248, de 10 de abril de 1985, na qualidade de linhas de atuação a serem adotadas pelos seus membros, valendo destacar: proteção contra prejuízos à saúde, interesses econômicos, informações adequadas a escolha de produtos e serviços, a educação para o consumo, reparação contra danos, formação de grupos ou organizações de fornecedores. [xiii] É justo registrar que para sua elaboração contribuíram numerosas instituições, entidades públicas e privadas, bem como brilhantes juristas pátrios, do quilate de Ada Pellegrini Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Zelmo Denari, além de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e Nelson Nery Júnior (FILOMENO, J. G. B. et alii. Código de Defesa do Consumidor - Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 11). [xiv] “O CDC, instrumento normativo regente dos direitos do consumidor, e como tal dotado de particularidades inerentes à relação de consumo, encontra na sua base princípios próprios que distinguem o direito do consumidor dos demais ramos do direito.” EFING, A. C. Contratos e procedimentos Bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2000, p. 29. [xv] “Ora, se a Constituição optou por um Código, é exatamente o que temos hoje. A dissimulação daquilo que era código em lei foi meramente cosmética e circunstancial. É que, na tramitação do Código, o lobby dos empresários, notadamente o da construção civil, dos consórcios, dos supermercados, prevendo sua derrota nos plenários das duas Casas, buscou, através de uma manobra procedimental, impedir a votação do texto ainda naquela legislatura, sob o argumento de que, por se tratar de Código, necessário era respeitar um iter legislativo extremamente formal, o que, naquele caso, não tinha sido observado. A artimanha foi superada rapidamente com contra-argumentos de que aquilo que a Constituição chamava de Código assim não era. E, dessa forma, o Código foi votado com outra qualidade, transformando-se na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Mas, repita-se, não obstante a nova denominação, estamos, verdadeiramente, diante de um Código, seja pelo mandamento constitucional, seja pelo seu caráter sistemático. Tanto isso é certo que o Congresso Nacional sequer se deu ao trabalho de extirpar do corpo legal as menções ao vocábulo Código (arts. 1º, 7º, 28, 37, 44, 51 etc.).” FILOMENO, J. G. B. et alii. op. cit., p. 09. [xvi] REICH, N. Algumas proposições para a filosofia de proteção ao consumidor. Trad. Débora Gozzo. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 728, 1996, p. 22. [xvii] “Na óptica técnica, a codificação foi, por sua vez, uma tentativa de abranger todas as relações pertencentes ao direito civil, das quais participasse o homem privado. Essas relações, reduzidas à sua expressão mais simples e abstrata em virtude da unificação dos seus titulares, puderam ser reguladas numa estrutura simples. A evidente mudança da organização sócio-econômica dos tempos presentes determinou o desmoronamento desse edifício de linhas clássicas (Código Civil) e desaconselha a recodificação, como me proponho a demonstrar.” GOMES, O. A Agonia do Código Civil. Rio de Janeiro: Revista de Direito Comparado Luso-Brasileiro, Forense, 1988, v. 757, p. 172. [xviii] “Art. 1º. O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.” [xix] “Em decorrência do estabelecido no artigo 1, a normatização tratada no presente Código do Consumidor é de ordem pública e interesse social, de onde se infere que os comandos dele constantes são de natureza cogente, ou seja, não é facultado às partes à possibilidade de optar pela aplicação ou não de seus dispositivos, que, portanto, não se derrogam pela simples convenção dos interessados, exceto havendo convenção legal expressa.” ALVIM, A. et alii. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1991, p. 11. [xx] FILOMENO, J. G. B. et. alii. op. cit., p. 23. [xxi] “DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EXTINÇÃO. INICIATIVA DO PROMISSÁRIO COMPRADOR. PERDA DAS PARCELAS PAGAS. CLÁUSULA ABUSIVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. ARTS. 51–IV E 53. DERROGAÇÃO DA LIBERDADE CONTRATUAL. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I – ... II – O caráter de norma pública atribuído ao Código de Defesa do Consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá–la aos parâmetros da lei, impondo–se a redução da quantia a ser retida pela promitente vendedora a patamar razoável, ainda que a cláusula tenha sido celebrada de modo irretratável e irrevogável. III –... IV – ...” (STJ, Recurso Especial nº 2942/MG, 4ª Turm, Unân., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 03/04/2001, pub. DJU 07/05/2001, p. 00151, inteiro teor disponível em http/:www.stj.gov.br). [xxii]“No que se refere ao princípio da igualdade, Ferreira de Almeida chama-o de ilusório, uma vez que os agentes econômicos se distinguem claramente entre si pelo seu poder econômico, o que gera diferentes graus de poder negocial. A igualdade formal, afirma, cria ou sustenta desigualdades de fato, e somente o tratamento jurídico desigual, no sentido inverso da potência econômica, pode elimina-las.” COELHO, F. U. op. cit., p. 40. [xxiii] Não é esse o entendimento de parte da doutrina, como se observa pelo seguinte excerto: “Surge a lei com um regime estruturado em consonância com os avanços obtidos no exterior, em especial nos Estado Unidos e na Europa Ocidental, o qual se baseia, fundamentalmente, na técnica do direito social de proteção ao economicamente mais fraco, mediante normas de reforço à sua posição jurídica, na busca do justo equilíbrio de forças.” BITTAR, C. A. op. cit., p. 22. [xxiv] “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:”. [xxv] “Art. 5º. Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o Poder Público com os seguintes instrumentos, entre outros:”. [xxvi] Nesse sentido, em obra publicada pouco depois da entrada em vigor do Código, Toshio Mukai afirma que “...trata-se de norma programática e sem nenhuma cogência, costume que se apossou dos nossos legisladores (o de normatizarem intenções, desejos e palavreados pomposos, mas destituídos de qualquer significado prático_ desde a época do autoritarismo e que continua a se manifestar (infelizmente) em diversas legislações, em especial, do nível federal. O que, na realidade, convém sublinhar, é que norma sem sanção, embora norma, é ineficaz. Portanto, não há que se perder tempo com essa disposição, posto que a norma não tem eficácia e conseqüência prática.”. (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 12). [xxvii] BOBBIO, N. op. cit., p. 72. [xxviii] Aqui é preciso concordar com o pensamento de Kelsen, quando afirma que toda norma jurídica possui um mínimo de eficácia (capacidade de produzir efeitos) como condição de vigência, visto que, se isto não ocorresse, a mesma não poderia ser considerada válida (KELSEN, H. op. cit., p. 12). [xxix] José Afonso da Silva classifica as normas constitucionais em: a) normas eficácia plena, que são aquelas de aplicabilidade direta e imediata, pois contêm todos os elementos requeridos, não carecendo de complementação posterior; b) normas de eficácia contida, que embora de aplicabilidade direta e imediata, reclamam por norma inferior delineadora de limites; c) normas de eficácia limitada, que são as que dependem de normatização ulterior que venha lhes completar o significado. Dentro desse contexto, não resta dúvida de que pelo menos o art. 5º, inc. XXXII, é norma de eficácia contida, necessitando de complemento que lhe fixe os limites (AFONSO DA SILVA, J. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 55). [xxx] PLÁCIDO E SILVA, D. Vocabulário Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Forense, vol. III, 1.967, p. 1.176. [xxxi] FILOMENO, J. G. B. et. alii. op. cit., p. 44-5. [xxxii] “A finalidade da produção é o produto se adquirido pelo consumidor, e a maioria dos produtos é destinada ao consumidor individual. É ele o homem que precisa dos bens para satisfazer suas necessidades biofisiológicas e sociológicas. Seja para a alimentação, para o vestuário, para a habitação, para educação, para a recreação, ou mesmo para o lazer e o repouso o homem utiliza dos bens e serviços existentes no mercado.” DUTRA, I. et. al. Economia Contemporânea. Bauru: São João, 1980, p. 273. [xxxiii] ALMEIDA, J. B. op. cit., p. 15-6. [xxxiv] “Estamos, na verdade, diante da chamada norma-objetivo, de fundamental importância ao direito moderno, pois ela estabelece uma responsabilidade do Poder Público na busca daqueles princípios fixados na lei. O art. 4º, retrotranscrito, define uma série de princípios e, como tais, orientam a interpretação dos demais dispositivos do Código no sentido de que eles seja efetivamente preservados, não podendo uma simples regra jurídica sobrepor-se à idéia contida no princípio.” DE LUCCA, N. Direito do Consumidor. São Paulo: RT, v. 10, p. 42. [xxxv] “Todas as normas de conduta e todas as normas de organização, que são as demais normas que compõe o Código do Consumidor, instrumentam a realização desses objetivos, com base nos princípios enunciados no próprio art. 4º. Assim, todas as normas de organização e de conduta, contidas no Código do Consumidor, devem ser interpretadas teleologicamente, finalisticamente, não por opção do intérprete, mas por que essa é uma imposição do próprio Código. O que significa isso? Sabemos que a interpretação não é uma ciência, é uma prudência. Nela chegamos a mais de uma solução correta, tendo de fazer uma opção por uma delas. A circunstância de existirem normas-objetivo que determinam a interpretação de normas de organização e de conduta estreita terrivelmente a possibilidade dessa opção, porque a única interpretação correta é aquela que seja adequada à instrumentação da realização dos fins, no caso, os fins estipulados no art. º do Código do Consumidor. Notem a importância disso, sobretudo no que diz respeito à interpretação das cláusulas gerais (e esse código está cheio delas). O intérprete deve repudiar qualquer solução interpretativa que não seja adequada à realização daqueles fins inscritos na norma-objetivo do art. 4º.” GRAU, E. R. Interpretando o Código de Defesa do Consumidor; Algumas notas. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 5, 1993, p. 188. [xxxvi] “É, assim, equivocado entender-se que os incisos deste artigo 4 correspondam apenas aos princípios da defesa do consumidor, quando, embora não o deixem de ser, representam mais, pois traçam os objetivos e os princípios de toda a política Nacional de Relações de Consumo.” ALVIM, A. et alii. op. cit., p. 21. [xxxvii] AULETE, C. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Delta, 1964, p. 3.265. [xxxviii] REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 300. [xxxix] MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.545. [xl] idem. ibidem., p. 545 [xli] CANOTILHO, J. J. G. op. cit., p. 534. [xlii] “ALEXY, partindo das considerações de DWORKIN, precisou ainda mais o conceito de princípios. Para ele, os princípios jurídicos consistem apenas numa espécie de normas jurídicas por meio das quais são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. Com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, ALEXY demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre os princípios: nesse caso, a solução não se resolve com a determinação imediata de uma prevalência de um princípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. Os princípios, portanto, possuem apenas uma dimensão de peso, e não determinam as conseqüências normativas de forma direta, ao contrário das regras. É só a aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza mediante regras de colisão. Por isso a aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: "se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso". É dizer o mesmo: a ponderação dos princípios conflitantes é resolvida mediante a criação de regras de prevalência, o que faz com que os princípios, desse modo, sejam aplicados também ao modo "tudo ou nada" ("Alles-oder-Nichts"). Essa espécie de tensão e o modo como ela é resolvida é o que distingue os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica ("problema do dentro ou fora"), o conflito entre princípios já se situa no interior desta mesma ordem ("teorema da colisão").” ÁVILA, H. B. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista da Faculdade de Direito da USP. v. 1, 1999, p. 29. [xliii] Eros Roberto Grau, citando Agustín Gordillo, afirma que violar um princípio é mais grave do que violar uma regra, e isso porque os princípios se encontram num plano distinto daquele que se acham as regras. As regras não comportam exceções, enquanto que os princípios sim (GRAU, E. R. op. cit., p. 189). [xliv] Direitos do Consumidor e Direitos da Personalidade: Limites, Intersecções, Relações. Revista de Informação Legislativa. São Paulo, nº 143, 1999, p. 66. [xlv] Não é demais lembrar a advertência de Pontes de Miranda, no sentido de que “o grande trabalho da ciência jurídica tem sido o de examinar o que é que verdadeiramente se passa entre os homens, quando se dizem credores, titulares ou sujeitos passivos de obrigações, autores e réus, proprietários, excipientes etc. O esforço de dois milênios conseguiu precisar conceitos, dar forma sistemática à exposição, por esses conhecimentos à disposição dos elaboradores de leis novas e aprimorar o senso crítico de algumas dezenas de gerações, até que, recentemente, se elevou a investigação ao nível da investigação das outras ciências para maior precisão da linguagem e dos raciocínios. A subordinação dela à metodologia que resultou da lógica contemporânea, inclusive no que concerne à estrutura dos sistemas, é o último degrau a que se atingiu.” MIRANDA, P. Tratado de Direito Privado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, Tomo I. p. XVI. [xlvi]Eros Roberto Grau afirma que não obstante os princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, da harmonização dos interesses dentro da relação de consumo e da coibição ou da repressão contra abusos constituírem verdadeiros princípios, os arrolados pelo artigo demais assim não podem ser considerados, visto que pertencem à outra espécie normas, as normas preceptivas (GRAU, E. R. op. cit., p. 188). [xlvii] Nesse passo, interessantes são as considerações de Fabio Ulhoa Coelho, de que tratar igualmente as pessoas não significa, mais, ignorar as diferenças, porque isso acarreta a prevalência dos interesses dos mais fortes. Desta forma, o tratamento isonômico consiste, atualmente, na outorga de privilégios e no reconhecimento de preferências aos mais fracos. Assim, no mundo das pessoas economicamente desiguais, a liberdade escraviza, e a lei liberta (COELHO, F. U. op. cit., p. 144). [xlviii] “Com efeito, os críticos da ortodoxia há muito tempo fizeram do suposto processo de surgimento de gostos e preferências um dos principais alvos de seus ataques ao edifício neoclássico. O conceito de “soberania do consumidor”, com suas implicações de que os consumidores adquirem seus gostos independentemente e podem fazer com que os produtores se ajustem aos seus desejos através do destino que dão aos seus dólares no mercado, tem sido consideravelmente ridicularizado por John Kenneth Galbraith e outros, que destacam que os gostos dos consumidores são moldados pelas decisões de produção e propaganda das grandes empresas.” HIRSCHMAN, A. O. De Consumidor a Cidadão. Trad. Marcelo M. Levy. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 14. [xlix] Veja-se, nesse sentido, as ponderações de Sílvio Luiz Ferreira da Rocha sobre as conseqüência da desindividualização do produto na sociedade de massa (Responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1992, p. 13-9). [l] “...na história do mercado capitalista, o consumo foi desvinculado das análises teóricas como elemento substancial, que dá continuidade ou viabilidade à produção do mercado. Dessa forma, a escolha do “que produzir”, ou seja, quais bens e serviços que serão postos no mercado, depende das grandes estruturas de administração do capital que agem pelo “lucro” e não das necessidades ou prefer6encias dos indivíduos. Em outras palavras, o fenômeno do consumo foi desterrado esfera dos sujeitos e confinado a estratégias de marketing e venda orientada para o lucro do setor empresarial.” FORTUNY, M. A. op. cit., p. 154. [li] “Como já afirmava o célebre Ruy Barbosa, a democracia não é exatamente o regime político que se caracteriza pela plena igualdade de todos perante a lei, mas sim pelo tratamento desigual dos desiguais. No âmbito de tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro.” FILOMENO, J. G. B. et. alii. op. cit., p. 46. [lii] Quanto à vulnerabilidade econômica, que Cláudia Lima Marques denomina fática, é justo destacar que também pode ser caracterizada pela posição de monopólio do fornecedor, fático e jurídico, por seu grande poder econômico, ou pela essencialidade do serviço (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 271-3). [liii] MARQUES, C. L. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 106. [liv] “É induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; apresenta ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico. Há reconhecimento universal no que tange a essa vulnerabilidade. Nesse sentido já se manifestou a ONU e sob esse enfoque o tema é tratado em todos os países ocidentais.” ALMEIDA, J. B. op. cit., p. 16. [lv] MARQUES, C. L. op. cit., p. 271-2. [lvi] É de se notar que tal entendimento não é pacífico na doutrina, visto que Cláudia Lima Marques afirma que o princípio da vulnerabilidade não se aplica aos profissionais liberais, muito menos à pessoa jurídica, quando da identificação da destinação econômica do produto ou do serviço (idem. ibidem. p. 269/279). [lvii] LISBOA, R. S. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: RT, 2001, p. 86. [lviii] “A palavra “hipossuficiente”, no Direito do Consumidor, indica aquela espécie de vulnerabilidade agravada que acomete certos consumidores. É a característica individual que traz notada fraqueza ao consumidor nas relações de consumo, ou no exercício de seus direitos pertinente a ela, fraqueza essa, que pode ser originada por fatores de carência material, como também, advir de condições sociais ínfimas, ou, finalmente, de características pessoais que sem se constituírem incapacidade civil (total ou parcial), ou mesmo doença, os tornem hipossuficientes apenas para determinadas relações de consumo, não o sendo para outras, conforme explicaremos mais adiante.”. PRUX, O. I. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 51. [lix] “PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE JURÍDICO DISPONÍVEL. INAPLICABILIDADE DOS ARTIGOS 81 E 82 DA LEI 8.078/90. SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DE GOIÁS. PLANO DE SEGURIDADE E ASSISTÊNCIA SOCIAL DA CATEGORIA. CONCEITO DE CONSUMIDOR. INADEQUAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.078/90. I- ... II- Os aludidos servidores públicos estaduais não são hipossuficientes, bem como não se encaixam na definição de consumidor, a teor do disposto no art. 2º, e seu parágrafo único, da Lei 8.078/90, tornando-se inaplicável, à espécie, os arts. 81 e 82, do citado diploma legal. III- ... IV- Agravo regimental desprovido.” (STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 298634/GO, 5ª Turm., Unân, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 18/12/2001, pub. DJU em 25/02/2002, p. 00429, inteiro teor disponível em http://www.stj.gov.br). [lx] “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;” [lxi] Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que há ofensa ao princípio constitucional da isonomia quando a norma: a) singulariza um destinatário determinado, ao invés de uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada; b) adota como critério discriminador um elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas; c) atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade dos regimes adotados; d) supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos; e) a interpretação da norma extrai dela distinções que não foram professadamente assumidas por ela de modo claro (Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 2ª ed. São Paulo: RT, 1984, p. 59-60). [lxii] “A filosofia imprimida ao Código do consumidor, como já asseverado, aponta no sentido de uma busca da harmonia das relações de consumo, harmonia essa não apenas fundada no tratamento das partes envolvidas, como também na adoção de parâmetros até de ordem prática. Assim é que, se é certo que o consumidor é a parte vulnerável nas sobreditas relações de consumo, não se compreende exageros nessa perspectiva a ponto, por exemplo, de obstar-se o progresso tecnológico e econômico. O chamado ”interesse difuso” é por si só e intrinsecamente conflituoso, devendo sempre buscar-se o equilíbrio, baseado na natureza das coisas e no bom senso.” FILOMENO, J. G. B. et alii. op. cit., p. 51. [lxiii] Aqui é de se mencionar que a necessidade de harmonização já leva em consideração que as obrigações impostas ao fornecedor são, indiretamente, suportadas por toda a coletividade de consumidores, fenômeno denominado socialização das perdas, visto que o empresário repassa o custo da melhoria de qualidade do fornecimento aos preços dos produtos e serviços oferecidos no mercado (COELHO, F. U. op. cit., 35). [lxiv] “PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 6°, INCISO III, E ART. 31. DECRETO N.º 90.595/84. PORTARIA SUPER 02/96 DA EXTINTA SUNAB. SISTEMA DE CÓDIGO DE BARRAS PARA INDICAR OS PREÇOS DAS MERCADORIAS. SUPERMERCADOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO N.º 08012.001556/98-18. ADOÇÃO EM CARÁTER ALTERNATIVO: DE AFIXAÇÃO DIRETA, NOS BENS EXPOSTOS À VENDA, MEDIANTE ETIQUETAS OU SIMILARES, DO RESPECTIVO PREÇO À VISTA; OU, NA HIPÓTESE DE EXISTÊNCIA DE CÓDIGO DE BARRAS (DEC. 90.595/84), PROCEDER À INFORMAÇÃO DOS PREÇOS DAS MERCADORIAS EM LISTA APOSTA EM LOCAL VISÍVEL AO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA. DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA. SEGURANÇA DENEGADA. I - ... II - Por ser assegurado ao consumidor o direito de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, não há que se falar em "intervenção abusiva no domínio econômico", com desrespeito aos arts. 1°, IV, 170, "caput" e inciso II e 174, "caput", todos da C.F.-88, porque incensurável o despacho proferido pelo Excelentíssimo Ministro de Estado da Justiça, publicado no DO 1, de 14-08-98. III - ...” (STJ, Mandado de Segurança nº 5943/DF, SI Primeira Seção, Unân., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/02/2000, pub. DJU 27/03/2000, p. 00059, inteiro teor disponível em http/:www.stj.gov.br). [lxv] Adotamos a definição de eqüidade fornecida por Miguel Reale “a eqüidade é, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real.” (op. cit., p. 295) [lxvi] Apesar de não compartilharmos, em parte, da mesma opinião, uma vez que consideramos a vulnerabilidade a célula mãe, principiologicamente, de todo o microssistema, a importância do princípio da boa-fé é tão grande, entre autores nacionais de renome, que Cláudia Lima Marques chega a dizer que “poderíamos afirmar genericamente que a boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC” (op. cit., p. 671). [lxvii] “...ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as idéias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração de interesses do “alter”, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro pólo da relação obrigacional. A boa-fé objetiva qualifica, pois, uma norma de comportamento leal. É, por isso mesmo, uma norma necessariamente nuançada, a qual, não se apresenta como um “princípio geral” ou como uma panacéia de cunho moral incidente da mesma forma a um número indefinido de situações.” COSTA, J. M. A Boa-fé Objetiva no Direito Privado. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 2000, p. 412. [lxviii] op. cit., p. 42. [lxix] “A pós-eficácia das obrigações constitui portanto um dever lateral de conduta de lealdade, no sentido de que a boa-fé exige, segundo as circunstâncias, que os contratantes, omitam toda conduta mediante a qual a outra parte se veria despojada ou essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas pelo contrato.” MOTA, M. J. A pós-eficácia das obrigações. Problemas de Direito Constitucional (Gustavo Tepedino – Coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 204. [lxx] LISBOA, R. S. op. cit., p. 104. [lxxi] Vale destacar que a norma não parece estabelecer qualquer diferenciação entre a coibição e a repressão, que em sentido comum são sinônimas, significando sustar uma ação ou um movimento (FERREIRA, A. B. H. op. cit., p. 1747). [lxxii] Não é demais lembrar que as matérias específicas são tratadas pela Lei nº 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, pelo Decreto-Lei nº 7.903/45, denominado Código de Propriedade Industrial, e pela Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. [lxxiii] Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Morais afirmam que o princípio da coibição e repressão é um dos princípios fundamentais para a realização dos objetivos do CDC, servindo, ainda, como instrumento para a concretização de outros princípios (op. cit., p. 53). [lxxiv] FILOMENO, J. G. B. et. alii. op. cit., p. 67-8. [lxxv] “No inciso VI, a par da instituição do princípio basilar de que qualquer abuso no mercado de consumo deve ser coibido e reprimido, aliás a finalidade de todo o Código de Defesa do Consumidor, reaparece também a proteção a direitos que possuem a característica peculiar de interessarem tanto a consumidores, quanto a fornecedores. Referimo-nos a concorrência desleal nas suas diversas formas de manifestação. Como denota o texto legal, a honestidade e a harmonia nas relações entre os fornecedores, representam fator que, pelo simples fato de não causar anomalias no mercado de consumo, já beneficia o consumidor.” PRUX, O. I. op. cit., p. 155. [lxxvi]FILOMENO, J. G. B. Manual de Direitos do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 58-9. [lxxvii] BASTOS, C. R. op. cit., p. 145. [lxxviii] “Caberia indagar sobre qual mercado é o mais benéfico para o consumidor. Seria sempre aquele que apresenta o mais elevado grau de competição? Autores menos ortodoxos, como Michael Best, apontam para o fato de que a cooperação entre empresas pode assumir a forma de oligopólios ou, ao menos, acordo sobre preços mínimos, o que, por sua vez, pode também gerar um efeito economicamente benéfico que indiretamente favorece o consumidor. Isto ocorrerá sempre que o acordo sobre preços mínimos importar na alocação dos recursos poupados no monitoramento e investimento no processo de melhoria da qualidade e inovação tecnológica, que repercute no aumento da competitividade.” MACEDO JR, R. P. Contratos Relacionais e a Defesa do Consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 288. [lxxix] “A livre concorrência é um esteio do sistema liberal porque é pelo seu jogo e funcionamento que os consumidores vêem assegurados os seus direitos a consumir produtos de qualidade a preços justos. E, de outra parte, para quem se lança à atividade econômica é uma forma de obter a recompensa pela sua maior capacidade, dedicação e empenho, prosperando mais que os concorrentes.” BASTOS, C. R. op. cit., p. 145. [lxxx] GOMES, O. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 141. [lxxxi] “É necessário comentar este último aspecto, pois o consumidor igualmente pode cometer abusos, os quais devem ser reprimidos, exatamente para que tais excessos de maus consumidores não venham a onerar os bons consumidores, os quais o Código visa proteger.” BONATO, C. et. al. op. cit., p. 48. ABSTRACT: This article analizes the Consumer Protection Code and the principles of the vulnerability, harmonization of the consumer relations and cohibition and repression of the abuse in the consumer market, considering the relevancy and the influency in the society, seeking its meaning and its scope. Keywords: consumption, code, principles, vulnerability, harmonization, cohibition. SUMMARY: 1. Introduction. 2. The emergence of the consumer protection code. 3. The National Policy of the Consumer Relations. 4. The Principles of the National Policy of consumer relations. a) Consumer’s vulnerability; b) Harmonization of interests on the consumer relations. c) Cohibition and repression of the abuse in the consumer market 5. Conclusion. 6. References. 7. Notes. Autor Rodrigo Brum Silva Advogado em Londrina, Paraná. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1997), e Mestre em Direito Negocial pela mesma instituição (2003). Atualmente é Professor Titular na Faculdade Paranaense - FACCAR. Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT): SILVA, Rodrigo Brum. Considerações sobre Código de Defesa do Consumidor e seus principais princípios . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3315, 29 jul. 2012 . Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2012. Fonte: Jus Navigandi

terça-feira, 24 de julho de 2012

Compras coletivas: o princípio da boa-fé e a obrigatoriedade de cumprimento da oferta em caso de “chargeback”

O chargeback faz parte dos riscos do empreendimento do fornecedor. Portanto, os consumidores remanescentes poderão exigir o cumprimento forçado da oferta, pois há que se respeitar a sua boa-fé. Dando sequência aos estudos sobre o atual e instigante tema relacionado ao chargeback, analisamos, nesta oportunidade, as implicações envolvendo essa prática no contexto das compras coletivas. Para melhor compreensão da matéria, remetemos o leitor ao nosso artigo intitulado O que é chargeback?. Nada obstante o dever geral de boa-fé, a ser observado nos negócios jurídicos, em julho de 2011, a Câmara Brasileira de Comércio eletrônico aprovou o denominado Código de Ética do Comitê de Compras Coletivas da camara-e.net. Segundo consta do respectivo texto, o documento define as regras básicas de conduta dos sites de compras coletivas e dos fornecedores parceiros, sendo que, no art. 3º do código, está expresso o dever imposto aos associados no sentido de proceder com boa-fé nos relacionamentos comerciais travados no contexto das compras coletivas. Vejamos o que diz o preceito: “Artigo 3º – Todo associado deve se conduzir de acordo com os preceitos de moral, conduta e responsabilidade, obedecendo a Constituição Federal do Brasil, a legislação nacional vigente, em especial ao Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da camara-e.net, o Regimento Interno do Comitê de Compras Coletivas e o presente Código de Ética, resguardando e defendendo o Sistema de Compras Coletivas, através do conceito de parceria e boa-fé inerentes aos relacionamentos comerciais.” Adiante, no art. 9º, há regra dispondo sobre a conduta dos sites de compras coletivas no sentido de se esforçarem ao máximo para que seus parceiros cumpram as ofertas veiculadas. Eis o teor do dispositivo: “Artigo 9º – Os SITES se comprometem a envidar seus melhores esforços para que seus parceiros cumpram com o objeto da oferta, em seus exatos termos, para que os usuários possam usufruir de forma integral o serviço e/ou produto adquirido.” Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/22279/compras-coletivas-o-principio-da-boa-fe-e-a-obrigatoriedade-de-cumprimento-da-oferta-em-caso-de-chargeback#ixzz21XrsGk5Q Fonte: http://jus.com.br

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Renovação de penhora on-line exige prova de mudança na situação econômica do devedor

Data/Hora: 7/3/2012 - 12:49:51 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que, uma vez aceito o pedido de penhora on-line e caso tal medida não obtenha êxito, o novo pedido deve vir acompanhado com a devida justificativa, demonstrando eventual alteração econômica no patrimônio do devedor. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma, em decisão unânime, negou recurso especial interposto por uma fundação contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Inicialmente, a instituição ajuizou execução de título extrajudicial alegando ser credora da importância de R$ 5.220,03, uma vez que a devedora deixou de efetuar o pagamento de duas parcelas referentes a acordo de termo de confissão de dívida, representado por notas promissórias. Não foram encontrados bens sujeitos à penhora e a devedora não apresentou defesa. Esgotadas as tentativas de encontrar outros bens penhoráveis, o juiz determinou o bloqueio on-line dos valores depositados em instituições financeiras, por meio do sistema Bacen-JUD, mas a busca não obteve êxito. O juiz decidiu que “não será admitido novo pedido de penhora on-line, estando vedada a repetição de atos já praticados, salvo se houver indício de recebimento de valor penhorável, sob pena de perpetuação da execução”. Não satisfeita com a determinação, a fundação interpôs agravo de instrumento, alegando não ser possível “condicionar a aceitação do pedido de repetição do bloqueio on-line à apresentação de indícios de recebimento de valor penhorável, bem como de alteração da situação econômica do executado”. O TJSP negou o agravo. Diante disso, a entidade impetrou recurso especial no STJ alegando que as instâncias ordinárias, ao negar os pedidos futuros de bloqueio via sistema Bacen-JUD, estariam impedindo a ordem legal de penhora, violando os artigos 399, 655 e 655-A do Código de Processo Civil (CPC). O relator do caso, ministro Massami Uyeda, manteve a decisão por entender que “tal exigência não viola o princípio de que a execução prossegue no interesse do credor, nos termos do que dispõe o artigo 612 do CPC”. O ministro observou que a exigência está em harmonia com a jurisprudência do STJ, pois, para que seja possível nova pesquisa no sistema Bacen-JUD, é necessário que o credor comprove alteração na situação econômica do devedor. Para o ministro, dessa forma é possível proteger o direito do credor, reconhecido judicialmente, ao mesmo tempo em que se preserva o aparato judicial. Processo: REsp 1284587 Superior Tribunal de Justiça Fonte: AASP

sábado, 30 de junho de 2012

Especial - Mandado de Segurança

Colegas, segue um resumo esquemático versando sobre o Mandado de Segurança, regido pela novel Lei 12.016/09. ► Não é cabível mandado de segurança contra lei em tese (STF, Súmula 266). ► Ato administrativo que se baseia em lei pode ser atacado pelo mandamus, por possuírem efeitos concretos. O prazo de 120 dias, nesse caso, começa a correr da data em que o ato passou a produzir efeitos. ► É cabível MS no curso do processo legislativo, tendo o parlamentar o direito líquido e certo a um processo legislativo hígido. ► O artigo 5º da Lei 12.016 apresente três casos em que não é cabível esse remédio constitucional: a) Ato do qual caiba recurso administrativo, com efeito suspensivo, independentemente de caução; b) Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; c) Decisão judicial transitada em julgado. ► STF, Súmula 267: "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Interpretação: não cabe o MS quando ao recurso puder ser atribuído o efeito suspensivo. Como regra geral, deve-se entender que não cabe mandado de segurança contra ato judicial recorrível. Ver art. 558, caput, e par. 1º, CPC. ► Excepcionalmente admite-se o MS contra decisão judicial diante da inexistência de recurso apto a tutelar o direito do interessado. Ex: terceiro prejudicado, cujo prazo recursal já tenha se esgotado. STJ, Súmula 202: "a impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso". ► O STJ tem entendimentos no sentido de ser cabível o MS contra a decisão do relator do agravo de instrumento que o converte em agravo retido e da que concede efeito suspensivo ou a antecipação da tutela recursal (REsp 1161847/TO). Tal cabimento depende de dois requisitos: a) A inexistência de recurso adequado à impugnação judicial; e b) A demonstração de que a decisão é teratológica, por abuso de poder ou ilegalidade. Não basta, portanto, demonstrar o error in judicando. ► STJ, Súmula 376: "compete à Turma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial". ► Não é cabível o MS contra decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, III, da Lei 12.016 e Súmula 268 do STF). ► A nova lei do MS não estipulou a proibição do cabimento contra atos disciplinares. Deve-se entender pelo seu cabimento nesses casos. ► O MS pode ser utilizado pelo contribuinte para obter declaração de direito à compensação tributária (Súmula 213 do STJ). O alcance da previsão sumular se limita à declaração da compensação. Nesse sentido a súmula 460 do STJ: "é incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte". ► O MS pode ser impetrado não só por pessoa física ou jurídica, mas por qualquer sujeito de direito, independentemente de personalidade jurídica. Também se incluem os legitimados extraordinários, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. ► A jurisprudência já consagrou o entendimento da possibilidade de impetração do MS por órgãos públicos para a tutela de competências e prerrogativas decorrentes do exercício de sua função pública. O mesmo raciocínio se aplica aos entes despersonalizados (massa falida, espólio, herança jacente, sociedade de fato). ► O litisconsórcio ativo é possível até o despacho liminar positivo. ► Quanto ao polo passivo, há divergências doutrinárias, havendo três correntes: a) Réu é a autoridade coatora que pratica o ato ilegal; b) O polo passivo é ocupado pela pessoa jurídica à qual a autoridade coatora pertence (entendimento majoritário); c) Há litisconsórcio necessário entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica (entendimento de Cassio Scarpinella Bueno). ► Teoria da encampação (STJ): para a aplicação dessa teoria, é necessária a observância dos seguintes requisitos: a) Existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou as informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) Ausência de modificação da competência estabelecida na Constituição; e c) Defesa do mérito do litígio nas informações prestadas. ► A indicação errônea de autoridade não pode levar à modificação de competências fixadas na Constituição Federal. Para o STJ a errônea indicação da autoridade coatora leva, em regra, à extinção do processo sem resolução do mérito. ► Súmula 631 do STF: "extingue-se o processo do mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário". ► O Ministério público atua no MS como fiscal da lei. Com ou sem a manifestação do MP, os autos irão conclusos para sentença (art. 12). ► Fixação da competência: em regra, é funcional, ou seja, em razão da função exercida pela autoridade coatora. Exceções: matéria eleitoral e trabalhista (CE, art. 35, III e CF, art. 114, IV) . ► O prazo para prestação de informações pela autoridade coatora é de 10 dias. O entendimento majoritário pugna que tais informações têm natureza de defesa. A não apresentação de informações ou de defesa não gera a presunção de veracidade em favor do impetrante. ► Medida liminar (art. 7º, III): em caso de fundamento relevante e se do ato resultar a infeficácia da medida. É permitido ao juiz exigir caução, como contracautela. A concessão de liminar acarreta a prioridade na tramitação para julgamento. Os efeitos da medida liminar perduram até a prolação da sentença (ver súmula 405 do STF). ► Não são cabíveis honorários advocatícios na sentença do MS (súmula 105 do STJ e 512 do STF e art. 25 da lei 12.016). ► Há formação da coisa julgada material quando apreciado o mérito da demanda. Súmula 304 do STF: "decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria". ► A sentença que julga procedente o MS está sujeita ao reexame necessário (art. 14, p. 1º). Segundo o STJ, o reexame alcança qualquer sentença concessiva de segurança. Entende também essa Corte que as hipóteses de dispensa do reexame necessário (CPC, art. 475, pars. 2º e 3º) não se aplicam ao Mandado de Segurança, entendimento esse guerreado pela doutrina. Deve-se entender que as exceções ao reexame necessário são aplicáveis ao MS. ► O pedido liminar mediante juiz de primeiro grau desafia agravo de instrumento. Decisão do relator sobre a medida liminar desafia agravo interno (não é mais aplicável a Súmula 622 do STF). Da sentença de primeiro grau é cabível apelação. ► No Tribunal, julgado improcedente o pedido, é cabível o recurso ordinário para modificar a decisão (CPC, art. 539). Sendo o acórdão favorável ao impetrante, são cabíveis os recursos especial e extraordinário. Súmula 272 do STF: "não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança". ► A Lei 12.016, em consonância com as Súmulas 169 do STJ e 597 do STF, veda o recurso de embargos infringentes em sede de MS. ► A autoridade coatora pode recorrer da sentença (art. 14, p. 2º). ► Súmula 269 do STF: "O mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança." Súmula 271 do STF: "Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria." ► Para aprofundar: a) Leonardo José Carneiro da Cunha - "A Fazenda Pública em Juízo" - Ed. Dialética; b) José Henrique Mouta - "Mandado de Segurança" - Ed. Juspodivm. Fonte: www.estudodirecionado.com