O Código Florestal precisa ser revisto?, por Kátia Abreu
Essa é uma interrogação que se tornou presente entre nós e para respondê-la temos de afastar o radicalismo e desfazer as desinformações. É natural que a opinião pública, às vezes, se sinta insegura diante das versões contraditórias que são divulgadas.
A lei em vigor está desatualizada, pois foi editada há 45 anos, quando nossa agricultura era ainda pequena, diferente da máquina produtiva de hoje. Por outro lado, os movimentos ambientalistas ortodoxos defendem a tese de que nossa lei é a melhor do mundo e não pode ser atualizada. Refletindo o pensamento político dos verdes e dos interesses econômicos europeus, um influente jornal espanhol publicou que "o Brasil concederá anistia aos responsáveis por catástrofes ambientais". Com quem está a verdade?
A opinião geral tende a ser formada com retalhos de informação, escolhidos e dispostos de forma a induzir determinadas conclusões. Ou seja, a informação destina-se a convencer. Com isso, quem sai perdendo são a verdade e o equilíbrio. Vou tentar reduzir a questão a termos claros, para que a névoa dos equívocos não turve o olhar das pessoas que se interessam pelo problema.
As mudanças propostas ao Código Florestal não contêm uma só norma que facilite o desmatamento. O que se prevê é uma moratória para suspender o desmatamento em áreas de florestas por cinco anos. Qualquer afirmação em contrário é falsa. Se a lei atual é boa, boa continuará. E nenhuma árvore a mais será derrubada em razão das modificações na lei.
E o que querem, então, os produtores? O código tem uma regra que determina que todas as propriedades rurais devem manter uma área, entre 20%, na maioria dos biomas, e 80%, na Amazônia, chamada "reserva legal", a qual não pode ser objeto de exploração e deve ser conservada com sua vegetação original. As propriedades que não tenham hoje essa "reserva" devem, sob as penas da atual lei, replantar a vegetação nativa, mesmo nas áreas abertas antes dessa exigência.
A reserva legal não existe em nenhum outro país do mundo. As propriedades rurais nos Estados Unidos, na Europa, na Argentina ou em qualquer outro país podem ser exploradas integralmente, em 100% de sua área. Nesses países as áreas de preservação natural são grandes áreas continuas de propriedade do Estado, e não pequenos fragmentos de propriedades particulares, muitas vezes desprovidos de função ecológica.
Ao contrário do Brasil, a agricultura e a pecuária na América do Norte, na Europa e na Ásia ocuparam quase que exclusivamente áreas originais de florestas. Nenhum outro país, no entanto, jamais cogitou de inutilizar 20% ou 80% de suas áreas de produção agrícola para reconstituir ambientes naturais do passado. Nesses países, os conceitos e funções de uma unidade de conservação e de produção são distintos.
Além do mais, a ocupação do nosso território com a agricultura e a pecuária foi um processo secular, iniciado nos tempos de colônia, ocorrido sem transgressão de qualquer lei. O Brasil tem hoje 354,9 milhões de hectares ocupados com lavouras e pastagens. Desse total, 272 milhões de hectares, ou seja, 68%, eram explorados em 1965, quando foi editado o Código Florestal.
De lá para cá os produtores acrescentaram apenas 83 milhões de hectares para produção, o que significa menos de 10% de nosso território, de 850 milhões de hectares. Só que em 1965 produzíamos 20 milhões de toneladas de grãos e agora, 150 milhões. Produzíamos 2 milhões de toneladas de carne e hoje, mais de 25 milhões.
Nossos produtores não devastaram a natureza, ao contrário, realizaram a mais impressionante revolução técnica da agricultura e da pecuária no mundo. Além disso, a maior parte das áreas acrescentadas após a vigência do código não eram áreas de florestas, e sim de cerrados. Aliás, o processo de ocupação foi promovido e financiado pelo governo, que conseguiu transformar o Brasil no segundo maior produtor e exportador de alimentos do mundo.
Dos 100 milhões de hectares cultivados hoje no bioma cerrado, 80 milhões estavam abertos quando foi instituída a reserva legal, em 1989. Como mostram os números, os produtores brasileiros não são culpados por nenhuma catástrofe ambiental, mas talvez sejam responsáveis por uma catástrofe econômica para os produtores agrícolas da Europa.
A exigência da "reserva legal" é contrária ao interesse do País. Esperamos que com o tempo a sociedade reconheça isso. Mesmo assim, a proposta de revisão do código mantém inalterada essa exigência. A diferença é que reconhece como legal a ocupação das áreas consolidadas com produção de alimentos, evitando a sua diminuição.
Se a revisão não for aprovada, é bom que todos saibam que mais de 90% dos 5 milhões de propriedades rurais permanecerão na ilegalidade injustamente, pois suas áreas foram ocupadas antes da vigência do código e suas posteriores modificações. Para superar a ilegalidade imposta vamos ter de esterilizar por volta de um quinto das áreas em produção, com a redução brutal da renda dos produtores, das safras destinadas ao consumo doméstico, das exportações, e um consequente aumento dos preços dos alimentos. Tudo isso não se materializou ainda porque os sucessivos governos, cientes das consequências desastrosas, vêm, com prudência, adiando, por meio de decretos, sua vigência.
Está claro que a reforma que queremos diz respeito ao passado, mas interessa ao futuro. Devolver a segurança jurídica ao campo é útil para todos. Assegurar a irretroatividade da lei é uma maneira civilizada de remediar um dispositivo legal injusto, incompatível com a realidade, o interesse do País e o Estado de Direito.
A luta pela conservação ambiental só será efetiva se houver mais consensos, menos conflitos ideológicos e, principalmente, paz. Nesse tema, apenas leis, punições e ameaças servem pouco. Elas não plantam árvores. Ou, como dizia o poeta Drummond: "As leis não bastam./ Os lírios não nascem das leis."
SENADORA, É PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA)
Notícias Agrícolas
http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias.php?id=79693
Fonte: O Estado de S. Paulo
terça-feira, 30 de novembro de 2010
O Código Florestal precisa ser revisto?
Diferenças básicas entre a mediação e a conciliação
Mediar e conciliar: as diferenças básicas
Texto p
ublicado em 11/2010
Sumário: 1) Introdução: Os Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESCs); 2) As Características do Direito Atual; 3) O Conflito: Sua Permanência e Modos de Abordagem; 4) A Função da Dogmática Jurídica; 5) A Conciliação; 6) A Mediação; 7) Características Básicas da Mediação; Complexidade, Criatividade, Transdisciplinaridade; 8) Utilização da Mediação e da Conciliação; 9) Concluindo: O Elogio da Mediação.
1 – Introdução: Os Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESCs)
O Poder Judiciário no Brasil e no Mundo, vem mostrando de forma bastante clara, nas últimas décadas, sua incapacidade e insuficiência para resolver as controvérsias sociais, econômicas, familiares, empresariais, políticas, criminais e afins, pelo meio do consagrado e tradicional Processo Judicial.
Em consequência dessa crise do Poder Judiciário, começaram a ser desenvolvidos, na nossa cultura jurídica ocidental, sobretudo da década de 70 em diante, os Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos (Mescs) que, basicamente, são a Arbitragem, a Negociação, a Conciliação e a Mediação.
A finalidade dos MESCs, em apertada síntese, é possibilitar que os interessados na solução dos litígios não dependam da decisão da Justiça Estatal. Há um incentivo para que as partes litigantes encontrem soluções com maior liberdade, por si próprias, ainda que ajudadas por um terceiro, independente, ou mesmo se submetam ao julgamento de um Juiz Privado, por elas escolhido, livremente, com é o caso da Arbitragem.
Cada um desses procedimentos dos MESCs têm suas características específicas, a saber:
- A Arbitragem é feita por um Árbitro que não precisa ser formado em direito e é escolhido pelas partes, podendo ser qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes. O Árbitro decide o litígio, e a decisão arbitral produz os mesmos efeitos, entre os interessados como se fosse uma sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. No Brasil a Arbitragem, atualmente, é regulada por lei específica (Lei 9.307/96).
- A Negociação é feita pelas próprias partes, entre si, livremente, sem interferência de um terceiro, podendo ou não chegar a um acordo.
- A Conciliação se faz geralmente em Juízo, durante o curso do processo, sob a direção do próprio Juiz do Estado. Mas pode ser feita, também, dentro ou fora do Poder Judiciário, na presença e com a participação de um Conciliador privado, visando, explicitamente, obter um acordo para prevenir ou terminar o litígio. O Conciliador atua analisando a controvérsia em conjunto com as partes, sugerindo soluções, incentivando o acordo, intervindo nas controvérsias com suas opiniões. Há um objetivo claro e pré-estabelecido: chegar a um acordo pela conciliação das partes. Cada parte faz concessões para a outra e a Conciliação representa o acordo para terminar a controvérsia.
- A Mediação é procedimento não-adversarial, visando a autocomposição entre as partes, com o auxílio de um terceiro, o Mediador, que não julga, nem intervém na decisão das partes. O Mediador apenas facilita a comunicação entre os envolvidos visando ajudá-los a compreender a complexidade da controvérsia e sua transformação numa outra situação melhor, procurando, assim, fazer a terapia do vínculo conflitivo. As partes podem chegar, ou não, a uma solução sobre a controvérsia. Mas sempre estarão aumentando, durante a Mediação, seu poder de decidir por si próprias, sem delegar a decisão a um terceiro. O objetivo principal da Mediação não é chegar a um acordo. O acordo é uma das possibilidades decorrentes do procedimento de Mediação, mas não é a finalidade da Mediação.
Conciliação e Mediação são, frequentemente, confundidas, como se fossem similares, quando são absolutamente distintas. Essa confusão advém, sobretudo, da presença de um terceiro (Conciliador ou Mediador) e da possibilidade de obtenção de um acordo, como veremos em detalhes na sequência.
É necessário, neste momento em que a confusão vem se acentuando nos meios jurídicos e na opinião pública, estabelecer as diferenças básicas entre Mediação e Conciliação.
Com efeito, o Conselho Nacional de Justiça, no Brasil, vem promovendo há alguns anos movimentos de estímulo à Conciliação, mutirões de conciliação, em todo território nacional, o conhecido Projeto "Conciliar é Legal". Isso vem tornando a Conciliação mais conhecida pela população. Há uma propaganda oficial sobre os benefícios de conciliar ao invés de litigar. Isso, de certa forma, contribui para a diminuição da cultura do litígio no Brasil, abrindo outras alternativas para além da "cultura da sentença judicial" que é a predominante.
Muitos confundem esses Projetos de Conciliação como se fossem também Projetos de Mediação, acreditando que o objetivo final, no fundo, é conseguir acordos nos litígios judiciais, para desafogar o número de processos em tramitação no Poder Judiciário, diminuindo o excessivo tempo de tramitação desses processos.
No entanto, a Mediação não tem, absolutamente, esse objetivo de obter acordos, nem de diminuir a litigiosidade judicial, embora também possa ajudar nesse aspecto.
A Mediação é, qualitativamente, diferente da Conciliação Judicial, ou Extrajudicial. A Mediação existe sem necessidade de ser tutelada por qualquer poder estatal, dependendo apenas das partes estarem dispostas a exercitarem seu poder de autocomposição e se abrirem para o aprendizado vital, a partir do conflito.
A finalidade desta reflexão é tentar estabelecer as diferenças básicas entre as os dois procedimentos, de Mediação e Conciliação, de modo que a Mediação e a Conciliação sejam, devidamente, caracterizadas e colocadas nos seus devidos lugares.
Para isso, inicialmente, vejamos as principais características atuais do Direito Positivo, posto pelo Estado, para poder situar a Mediação e a Conciliação nesse contexto.
2 - As Características Atuais do Direito Positivo
O Direito Positivo atual tem sua origem no ordenamento jurídico baseado nos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). É um direito que entre outras características é positivado, escrito, formal, objetivo e racional. A lei é a fonte primária do Direito. Fora do comando e da hierarquia da lei positiva, encabeçada pela Constituição do Estado, não existe possibilidade de exercício dos direitos pelos cidadãos.
O Estado Constitucional de Direito é o padrão da maioria das Nações e as decisões das controvérsias são feitas através dos Juízes nomeados pelo Estado, ou seja, dos membros do Poder Judiciário, tudo em nome do Estado.
Sobra pouca liberdade para que os cidadãos possam procurar, por si próprios, a composição de suas controvérsias. O Estado é quem decide através do Poder Judiciário, e outros órgãos similares, as controvérsias existentes na sociedade.
O Poder Judiciário, como Poder do Estado, tem o monopólio da Jurisdição, mas não tem o monopólio do sentimento de justiça, pois isso pertence a todos os cidadãos.
De outro lado, a sociedade contemporânea atual é, sabidamente, complexa e global. A Era da Informática, neste século XXI, acabou por difundir e tornar acessível, a todos, o acesso aos conhecimentos e informações, criando uma rede de comunicação em todos os setores das atividades humanas.
A recente crise econômica mundial, iniciada em 2008, é um sintoma de como os Estados estão dependentes uns dos outros. A Economia não pode mais ser conduzida, isoladamente, por um ou outro País, pois todos acabaram sendo interdependentes. A complexidade aumentou na Economia, na Política, no Direito, na Ecologia, enfim, em todos os aspectos das atividades humanas.
O chamado Neoliberalismo econômico, baseado na hegemonia do Mercado livre, sem muita regulamentação, predominou desde as últimas décadas.
Mas, com a crise financeira de 2008 os Estados voltaram a intervir na área da economia privada, ajudando as empresas privadas em crise, seja no Brasil, nos EUA, na Europa, em toda parte.
Fala-se, hoje, até em "desmundialização", em retorno a padrões anteriores à crise, quando a presença estatal era mais forte na economia e quando cada Estado tinha mais autonomia de conduzir sua política econômica. A confiança na força do Mercado livre para regular a economia parece abalada.
Outro aspecto relevante na nossa era é o destaque que a Ecologia ganhou na preocupação coletiva, em função, sobretudo, do aquecimento global, estudado e comprovado pelos cientistas. Há uma nova preocupação sobre a sobrevivência da vida humana no Planeta Terra.
A discussão econômica com o uso de recursos naturais, antes consideradas abundantes, não causava preocupação há anos atrás. A água, por exemplo, na economia clássica, era considerada recurso sem valor, mas passou a ser discutida pela economia atual, em função do esgotamento desse recurso.
Tudo isso, está provocando uma revisão do Antropocentrismo, a concepção ocidental, de origem judaico-cristã, que afirma ser o homem o centro do universo, com direito de usar os animais, vegetais, e tudo o mais, a seu serviço. Contudo, os dados recentes mostram que uso da natureza tem seus limites e o ser humano é parte da natureza, não temos outro Planeta alternativo, para viver. Passa-se a admitir, contemporaneamente, uma visão Cosmocêntrica.
De fato, o Cosmos é o centro de tudo, o ser humano pertence ao Cosmos, ao reino animal, embora seja animal racional, como ensinou Aristóteles. Hoje o homem não parece tão racional assim, pois a destruição do Planeta parece ser prova de uma irracionalidade total da civilização humana.
O Cosmocentrismo é uma visão mais abrangente, possibilita o autorreconhecimento do homem, parte de um todo e não como uma parte diferenciada e superior do universo. Não há duas naturezas no nosso Planeta.
Temos de admitir que:
"O fenômeno humano não é para ser compreendido como a emergência de toda uma outra natureza, como ruptura qualitativa em relação aquela meio ambiente onde ele existe. A emergência do humano estabelece uma descontinuidade, mas ao nível do funcionamento, não da natureza" (Benasayag, 2007, 116).
Não existe outra natureza animal, somos todos pertencentes ao mesmo meio ambiente, há uma continuidade na natureza, embora o ser humano seja dotado de uma consciência diferenciada no nível operacional. O Cosmocentrismo abrange o Antropocentrismo e recoloca o homem dentro do Cosmos e não ao contrário, como acontece atualmente.
A diferença que se estabelece, artificialmente, entre o ser humano na sociedade, dentro do Estado de Direito e o ser humano na natureza, no Cosmos, cria uma ilusão de que é possível sobrepujar as dificuldades e os conflitos naturais com a cultura, com a tecnologia, e, sobretudo com o desenvolvimento da Ciência e do Direito.
Nesse sentido, o Direito e a Ciência já foram apontados, por um conhecido sociólogo do direito, como os dois pilares da modernidade:
"Entre os muitos espelhos das sociedades modernas, dois deles, pela importância que adquiriam, parecem ter passado de espelho a estátuas: a Ciência e o Direito" (Boaventura, 2000, 48). Acrescentamos, estátuas que estão virando ídolos para adoração dos povos, como se fossem saberes irrefutáveis.
Assim, tudo parece girar em torno do que a Ciência declara ser verdadeiro, e do que o Direito consagra também como aceitável, válido e eficaz para normatizar a vida das pessoas.
Contudo, a complexidade global, social, política, econômica, ecológica e afins, permanece como um desafio que nem o Direito, nem a Ciência, conseguem resolver.
Frente a tantas inseguranças da vida contemporânea, a função do nosso Direito Positivo, e do ordenamento jurídico como um todo, tem sido procurar estabelecer certezas, baseando-se em pressupostos e premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas, em nome da solução dos conflitos e da preservação da ordem política e social.
O Direito Positivo estabelece Dogmas, para estabilizar a sociedade, ainda que contrafaticamente, colocando fora de discussão certos princípios, como os direitos e garantias individuais, como a Declaração de Direitos Humanos da ONU, como o direito de defesa, a liberdade de opinião e de imprensa, o direito de associação e assim por diante.
Contudo, o conflito entre as pessoas, entre as sociedades e entre as Nações, vem permanecendo, e até aumentando, apesar de todo o esforço dos Estados para terminar os conflitos pelos meios jurídicos do poder oficial.
Nesse contexto, é preciso analisar o que é esse fenômeno do Conflito que tanta ameaça traz para a pretendida estabilidade jurídica do Estado contemporâneo.
3 - O Conflito: Sua Permanência e Modos de Abordagem.
Para entender e praticar a Conciliação ou a Mediação é preciso ter uma noção mínima do que é o Conflito, pois em última análise estaremos sempre lidando, de uma forma ou de outra, com a possibilidade de resolver, ou não, conflitos.
Trata-se de elaborar uma Teoria Geral de Conflito, de estudar a Conflitologia um conhecimento recente que se preocupa em analisar a formação e estrutura dos conflitos e assim viabilizar possíveis modos de lidar com os conflitos da maneira mais pedagógica.
O Conflito, como contraposição de interesses, desejos e posições entre as pessoas e as organizações, faz parte da vida humana. O Conflito é ontológico. O conflito é necessário, não pode ser resolvido, deve ser compreendido na medida do possível.
O Conflito existe e existirá sempre, seja na dimensão individual da consciência humana, que é uma interface entre o dentro e o fora da pessoa, seja nas relações sociais e coletivas.
Pode-se afirmar que: "O conflito é o princípio material de produção dos seres. Produzindo forma, ele produz corpos, no sentido de organismos como a física. Os corpos são forma de conflito". (Benasayag, 2007, 119)
Nesse sentido, o Conflito não pode ser definido nem como bom, nem como ruim, pois isso é uma avaliação subjetiva e moral.
O Conflito precisa ser encarado como inevitável, como expressão da própria existência humana e mais ainda, como inerente aos organismos vivos do nosso planeta terra.
Assim, o conflito na nossa vida terrena representa um conjunto complexo, abrangendo os aspectos sociais, psicológicos, econômicos e afins. Cabe então pensar, contemporaneamente, na permanência dos conflitos, o que tem sido evitado pelo pensamento científico e jurídico.
De fato: "... herdeiros de uma época que há muito tempo acredita na possibilidade de terminar um dia com o conflito, nós somos atualmente, por essa mesma razão, assustados em face de tudo o que ameaça nossas vidas e nossas sociedades (Benasayag, 2007,7).
A questão contemporânea fundamental seria, não mais, como resolver conflitos, mas sim esta: "Como pensar a permanência do Conflito?"
Para a tradição jurídica ocidental, no entanto, em nome da estabilidade social e das razões do Estado, o conflito é, e continua sendo, visto pelo Direito como uma ameaça a ordem estabelecida.
Se o conflito é ameaça deve ser objeto de uma decisão de algum Poder do Estado que possa terminá-lo e assim a ameaça terminará. Essa ilusão precisa acabar. O conflito precisa ser valorizado como algo que faz parte da sociedade. Se de um lado o conflito é um sintoma de que algo não vai bem, de outro lado é uma oportunidade para fazer mudanças necessárias para resolver o problema.
No entanto, o Poder Judiciário transforma o conflito em controvérsia, em litígio, separando uma parte do todo conflitivo, para que possa ser negociada uma solução específica. Trata-se de uma simplificação binária da complexidade do conflito, estabelecendo-se classificações entre autor/réu, entre o licito/ilícito, o permitido/proibido e assim por diante. Simplificando, dividindo o todo em partes, passa a ser possível obter uma decisão específica para a controvérsia.
Os problemas que originam os conflitos não são abordados pelos órgãos do Estado que julgam os litígios, mas apenas suas consequências.
Nesse contexto existem quatro formas principais de solução de controvérsias:
1 - O Processo Judicial: o Estado escolhe um Juiz com poderes para decidir a controvérsia e dará a Sentença, a ser obedecida, compulsoriamente;
2 - A Arbitragem, onde as partes escolhem um Árbitro privado para dirimir a controvérsia, através da Sentença Privada, com força de Sentença Judicial;
3 - A Conciliação onde o Conciliador procura mostrar as vantagens de obter um acordo para terminar a controvérsia, ao invés de litigar no Processo Judicial;
4 - A Mediação, onde as partes, por si próprias, decidem a controvérsia, auxiliadas por um terceiro Mediador que não sugere soluções, nem decide nada.
Como demonstraremos nesta reflexão, dentre esses modelos só a Mediação admite a complexidade, a permanência do Conflito, bem como a criatividade das partes na busca da autocomposição e na transformação das controvérsias.
A Mediação supera os limites da Dogmática Jurídica.
Os demais modelos podem ser encarados como variações do modelo da Dogmática Jurídica de solução de conflitos, adotado pelo Direito Positivo do Estado de Direito.
Vejamos, assim, como funciona, genericamente, a Dogmática Jurídica.
4 - A Função da Dogmática Jurídica
Dogma significa algo que não se coloca em dúvida.
Se o conteúdo do dogma é verdadeiro, ou não, isso é uma questão secundária. A função do dogma é pacificar uma questão, dar estabilidade a um sistema de pensamento, de crença, a fim de viabilizar certos comportamentos e conceitos. Existem, assim, vários tipos de dogmas: dogmas religiosos, científicos, políticos, familiares, sociais, jurídicos, econômicos e outros.
Dogma, etimologicamente, tem sua raiz no grego dokéo, "julgar, aparentar", e do latim "docere", ensinar, significando "ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa, e por extensão de qualquer doutrina ou sistema" (cf. Antonio Geraldo da Cunha, no Dicionário, Etimológico, Nova Fronteira). Ou seja, dogma é algo que não mais se questiona, que está aceito como verdadeiro.
A Dogmática Jurídica é justamente a parte do Direito que lida com as certezas, com os pressupostos e premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas positivadas.
A Dogmática Jurídica é um modo de viabilizar decisões, simplificando a complexidade, diminuindo o questionamento social, e estabilizando a sociedade. O princípio da maioria, por exemplo, quando estabelecido por lei acaba com a discussão: o que a maioria decide é válido, isto é um dogma. A decisão neutraliza o dissenso, ou seja, os que têm opinião contrária devem se conformar com a decisão da maioria. Só que esse dogma da maioria é expressão de uma racionalidade formal que não convence a minoria. A maioria, por si só, não tem força de eliminar o ressentimento dos dissidentes.
A racionalidade do dogma cria insatisfações nos contrários, pois não respeita as diferenças de cada um, impõe soluções coletivas a contragosto, contrafaticamente. Produz é certo, o efeito de estabilização do sistema, mas à custa de um artifício, de uma solução racional.
Quando há muito descontentamento são feitas novas leis, são estabelecidos novos dogmas, sem os quais não há possibilidade do sistema operar.
Assim: "O Direito positivo institucionaliza a mudança, que passa a ser entendida como superior à permanência, e as penadas do legislador começam a produzir códigos e regulamentos que, posteriormente, serão revogados e de novo restabelecidos, num processo sem fim". (Ferraz, 1980, 200).
Num mundo moderno, leigo, sem valores religiosos, morais e éticos estáveis, dominado pela organização constitucional do Estado, sem fundamentos filosóficos permanentes, sem ideologia definida, a preocupação com a existência de possíveis verdades, passa a ser secundária e a verossimilhança passa a ser essencial. Não mais interessa ao Direito a legitimidade histórica, tradicional, carismática, mas sim, basicamente, a legitimidade racional das decisões.
Dessa forma "a Dogmática põe a verdade entre parênteses e se preocupa mais com o verossimilhante, isto é, não exclui a verdade, mas ressalta como fundamental a versão da verdade (e da falsidade)." (Ferraz, 1980, 183).
O que interessa mais é o conjunto das provas que são trazidas para o mundo jurídico, para o devido processo legal, pois o "que não está nos autos não está no mundo". O verdadeiro corresponderá, juridicamente, à prova dos autos, reduzindo-se, assim, a questão controversa ao que for decidido.
O conflito pode não desaparecer entre as partes, mas, juridicamente, termina. "A verdade é que a decisão jurídica, a lei, a norma consuetudinária, a decisão do Juiz etc. impede a continuação de um conflito. Ela não o termina através de uma solução, mas o soluciona pondo-lhe um fim. Pôr um fim não quer dizer eliminar a incompatibilidade primitiva, mas trazê-la para uma situação onde ela não pode mais ser retornada ou levada adiante". (Ferraz, 1980, 167).
Tudo isso é feito de um modo persuasivo, para que se acredite nas decisões adotadas pelos Juízes, tornando aceitável, em nome do ordenamento jurídico, as decisões que colocam um fim ao litígio, sem que o litígio, de fato, tenha terminado na perspectiva das partes envolvidas. Há uma aparente racionalidade que encobre as insatisfações das pessoas diante das decisões tomadas.
Sobre a insatisfação provocada pelas incoerências do ordenamento jurídico, já foi observado que:
".... não podemos olvidar que o que chamamos, ao nível vulgar, de Direito, numa sociedade, é mais um conjunto de símbolos e ideias não coerentes, que revelam sua incoerência ao homem comum quando este se envolve, por exemplo, num processo judicial. Nestes casos, como faz notar a Sociologia Jurídica, o homem comum sente o peso da insegurança ao ser confrontado com os direitos dos outros que, embora não lhe pareçam legítimos, não deixam de lhe trazer certa angústia. É claro que seria impensável que o Direito admitisse, oficialmente, que ele se move em múltiplas e incoerentes direções para satisfazer os valores emocionais em conflito, da população a que serve. O êxito do Direito como força unificadora depende, pois de se dar um significado efetivo á ideia de um governo do Direito como algo unificado e racional. Este êxito depende, em parte, da Dogmática Jurídica. "(Ferraz, 1980; 179,180.
Assim, as pessoas precisam aceitar como razoáveis, formalmente, as decisões emanadas dos poderes estatais para poderem obedecer, sem se desiludir com a decisão, pois isso traria descrença ao sistema jurídico. A Dogmática colocando fora de dúvida certas premissas procura dar essa segurança para as partes, ou seja, o decidido de acordo com as regras jurídicas estabelecidas deve ser obedecido, formalmente.
Contudo a descrença da população, com o sentido e o mérito das decisões do Poder Judiciário, pelo processo judicial, vem acontecendo, há bastante tempo.
O Processo Judicial viabiliza as decisões, simplifica a complexidade, diminui o questionamento social e assim tenta estabilizar as relações sociais. O que importa é a decisão, uma decisão, que se impõe para terminar o litígio
O Estado parte do pressuposto que resolver a controvérsia, mesmo de forma insatisfatória, é melhor do que não resolver o conflito.
Quanto ao mérito, o Processo Judicial funciona protegido pelo axioma: "O que não está nos autos não está no mundo". Importa julgar de acordo com as provas existentes, constantes dos autos, e assim o que não foi trazido ao processo, o que foi ocultado ou, ainda, o que não se conseguiu provar não pode ser considerado no processo.
A segurança, a certeza, e a objetividade da decisão baseada, exclusivamente, em provas feitas no processo, são mais importantes do que a realidade dos fatos.
O Processo Judicial simplifica e delimita a discussão para poder dar uma solução objetiva e fundamentada em provas. Visa a segurança jurídica, funciona basicamente de forma binária (autor/réu, licito/ilícito, permitido/proibido, válido/inválido, relevante/irrelevante, eficaz/ineficaz, culpado/inocente...).
Tudo é devidamente classificado em compartimentos bem definidos para que as regras processuais sejam claras e objetivas. O processo visa dar segurança para as partes, independentemente, da eventual e sempre esperada justiça das decisões.
Assim o Estado Moderno monopoliza o poder de julgar, mas não o tem o monopólio de fazer a Justiça, esse sentimento, essa virtude intuitiva e desejada, indecifrável, desde tempos remotos, pela civilização humana.
O indefinível sentimento de Justiça das pessoas é mais amplo e complexo do que o sentimento de segurança processual. Em consequência, as decisões do Processo Judicial são sempre limitadas e insatisfatórias, num jogo de perder e ganhar, sem fim.
A Dogmática Jurídica trabalha para neutralizar o dissenso das partes, e não para formar o consenso entre elas, ou seja, quem perde tem de se conformar porque a decisão é fruto de uma autoridade legitimada pelo Estado, pela Constituição, pela ordem jurídica.
Porém, o próprio Estado, diante do volume excessivo de processos judiciais e da insatisfação provocada pelas decisões, acaba reconhecendo, no Brasil e no mundo, que o processo judicial não é capaz de realizar a Justiça, não instaura a Paz entre os homens, nem torna mais pacífica a coletividade.
É dentro desse contexto de insatisfação com o Poder Judiciário que deve ser entendido o surgimento e a evolução dos já citados MESCs (Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos).
O Estado não pretende deixar de lado o Processo Judicial, mas apenas aceita que o Processo Judicial conviva com outros modos de solução de litígios que façam parte de uma cesta de opções (Arbitragem, Negociação, Conciliação e Mediação) para os litigantes escolherem o melhor caminho para solução de seus problemas.
Isto posto, comecemos por examinar a Conciliação e depois a Mediação, estabelecendo as diferenças básicas entre os dois procedimentos, que é o objetivo desta reflexão.
5 – A Conciliação
A Conciliação visa obter das partes em litígio, um acordo amigável, mediante concessões mútuas.
O Conciliador é um terceiro, que pode ser o próprio Juiz, que atua no procedimento com forte carga indutiva, pois o Conciliador sugere opções, faz propostas de solução. No fundo procura fazer com que as partes, cada qual a seu modo, cedam um pouco em suas pretensões, cheguem a um meio termo, para terminar o litígio.
O acordo, geralmente, é feito em torno de um pagamento em dinheiro.
A possibilidade de criação de novas alternativas é sempre muito pequena. Geralmente, a Conciliação se dá dentro dos limites do litígio, principalmente quando feita em Juízo.
A Conciliação é prevista no Brasil no Código de Processo Civil (art. 331), devendo o Juiz, tentar a qualquer tempo, conciliar as partes (art.125, IV do CPC). É um meio adotado como alternativa à sentença judicial.
No Direito brasileiro, vigente, poderíamos resumir, os tipos de Conciliação, quanto ao momento em que ocorre, em:
a)facultativa ou obrigatória;
b)preventiva ou pré-processual, antes de iniciar o processo;
c)incidental, dentro do processo em curso.
5.1 - Conciliação Facultativa
Esse tipo de Conciliação no Direito brasileiro está previsto no artigo 331 do Código de Processo Civil, em processos que admitam a transação, geralmente, em casos, de direitos disponíveis.
Nesse caso, o Juiz pode designar a audiência de Conciliação para que as partes, pessoalmente, ou por seus procuradores, venham dialogar em Juízo. Se houver conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
O artigo 125, IV do CPC declara que compete ao Juiz "tentar a qualquer tempo, conciliar as partes". Esse princípio informa todo o processo, colocando a Conciliação como um dos meios adotados para resolver o litígio. O próprio Juiz tem o dever de funcionar como Conciliador.
5.2 - Conciliação Obrigatória
A Conciliação Obrigatória não pode deixar de ser feita, sob pena de causar a nulidade ao procedimento respectivo.
É, por exemplo, a Conciliação prevista nas Convenções Coletivas de Trabalho, quando se estabelece que as partes devam submeter o litígio à Comissão de Conciliação Prévia, antes de ingressar na Justiça do Trabalho.
A Conciliação Obrigatória também pode ser estabelecida por uma cláusula contratual, pela qual as partes devam se submeter a processo conciliatório.
É também obrigatória a Audiência de Conciliação nos processos sumários, que se iniciam com essa audiência (art. 277, do CPC). Se não houver Conciliação então a parte contesta e o processo continua. Nesse caso o CPC é expresso ao declarar que o Juiz pode ser auxiliado por Conciliador (art. 277 §1º). O Processo Sumário deve ser resolvido, preferencialmente, por Conciliação.
São esses alguns casos de Conciliação Obrigatória no direito vigente.
5.3 - Conciliação Preventiva, ou Pré-processual
As partes fazem uma tentativa de conciliação, espontaneamente, antes de ingressarem em Juízo, evitando assim o litígio.
Exemplo disso é a Reclamação Pré-Processual prevista no artigo 4º do Provimento 953 de 7 de julho de 2005 do Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. As partes, antes do ajuizamento da ação, comparecem perante o Conciliador, informalmente, e discutem o litígio. Se chegarem a um acordo, fazem a transação e o Juiz homologa. Se não for obtida a conciliação, "as partes são orientadas quanto á possibilidade de buscar a satisfação de eventual direito perante a Justiça Comum ou Juizado Especial" (art.4º §4º).
Em boa parte dos casos, são frutíferas as tentativas de Conciliação Pré-Processual. Esse tipo de Conciliação Pré-Processual vem sendo incentivada pelo Poder Judiciário em todo o Brasil, como uma nova modalidade de Conciliação.
Não há dúvida que as partes se sentem mais á vontade, nesse tipo de Conciliação Pré-Processual, pois estão na presença de um Conciliador que não tem poderes de decisão e de julgamento.
O Juiz atua nesses casos a posteriori, apenas homologando o acordo feito depois de examinar se foram cumpridas as formalidades legais do caso. Pode até deixar de homologar o acordo se houver alguma irregularidade, mas o Juiz não está presente durante a discussão da Conciliação Pré-Processual.
Esse tipo de Conciliação é o que mais se aproxima da Mediação, tanto que no artigo 14 do Provimento 953/2005, acima citado, dispõe que se aplicam à Mediação as regras relativas à Conciliação, abrindo uma possibilidade do Conciliador atuar como Mediador, dentro das limitações do Provimento.
Porém, é importante ressaltar que no caso desse Provimento CSM 953/2005, do TJSP, a Mediação Pré-Processual nunca foi devidamente conceituada e definida, ficando como uma alternativa secundária e dependente das normas da Conciliação. Isso mostra como Mediação e Conciliação vem sendo apresentadas como similares, quando são bem diferentes.
5.4 - Conciliação, pós-processual ou incidental
Essa modalidade de Conciliação acontece dentro do Processo Judicial, como já exposto.
É feita pelos próprios Juízes ou por Conciliadores especialmente designados para a finalidade.
O estímulo á Conciliação é uma obrigação legal do Juiz, muito embora os Juízes sejam capacitados, essencialmente, para julgar e não para desenvolver técnicas de conciliação.
Porém, essa tendência no Brasil vem se modificando, como já expusemos, a partir da constatação da ineficiência, da inadequação do processo judicial e da morosidade do aparelho Judiciário para resolver os conflitos.
Há um estímulo muito grande para a Conciliação, vindo, sobretudo do Conselho Nacional de Justiça.
Isso é sinal que algo precisa ser modificado daqui em diante, sobretudo com o uso dos já mencionados MESCs (Meios Alternativos de Solução de Conflitos), em especial com a intensa utilização da Mediação, como mostraremos neste trabalho.
A Conciliação já está em fase de grande desenvolvimento no Brasil.
Porém a Conciliação possui muitas limitações que a Mediação não tem, como veremos em seguida.
5.5 - Limitações da Conciliação
Apesar da Conciliação estar sendo estimulada pelo Poder Judiciário ela tem suas limitações para abordar e resolver a complexidade do conflito.
O Conciliador, seja Juiz ou não, fica na superfície do conflito, sem adentrar nas relações intersubjetivas, nos fatores que desencadearam o litígio, focando mais as vantagens de um acordo, onde cada um cede um pouco, para sair do problema. Não há a preocupação de ir com maior profundidade nas questões subjetivas, emocionais, ou seja, nos fatores que desencadearam o conflito, pois isso demandaria sair da esfera da dogmática jurídica, dos limites objetivos da controvérsia.
A Conciliação fica muito limitada a vantagens econômicas, para equilibrar as perdas e ganhos monetários das partes.
A Conciliação é adversarial, as partes estão em oposição defendendo suas posições e interesses.
Porém na Mediação não há procedimento adversarial.
Na Mediação os interessados são reconhecidos como iguais e não como adversários.
Assim, na visão do jurista e mediador Luis Alberto Warat:
"A conciliação e a transação podem, em um primeiro momento, parecer com a mediação, mas as diferenças são gritantes. A conciliação e a transação não trabalham o conflito ignoram- no, e, portanto não o transformam como faz a mediação. O conciliador exerce a função de "negociador do litígio", reduzindo a relação conflituosa a uma mercadoria. O termo de conciliação é um termo de cedência de um litigante a outro, encerrando-o. Mas, o conflito no relacionamento, na melhor das hipóteses, permanece inalterado, já que a tendência é a de agravar-se devido a uma conciliação o que não expressa o encontro das partes com elas mesmas" (Warat; 2001, 80).
Isso parece ocorrer na maioria dos casos que se encerra com a Conciliação. Há de fato, como regra, uma tolerância de parte a parte, mas não se busca facilitar um reconhecimento profundo das diferenças entre as partes, como uma etapa para mudança das relações.
A Mediação procura ser uma terapia do vínculo conflitivo, uma cura nos ressentimentos das partes, nas dificuldades de relacionamento, saneando o conflito e possibilitando uma comunicação prazerosa entre os mediandos.
A Mediação usa a moeda apenas como um meio existente, mas não como seu fim principal, recolocando a moeda no seu devido lugar: a moeda é meio e não fim.
Já, de um modo geral, a Conciliação acaba com um acordo monetário, num pagamento em dinheiro de uma parte a favor da outra, como se o dinheiro fosse o objetivo final do acordo conciliatório.
A maioria dos casos conciliados, na realidade judicial, são de natureza pecuniária, grandes acordo ou pequenos acordos, mas quase sempre envolvendo pagamento.
Até nos casos de Danos Morais, que por sua natureza é sofrimento, dor subjetiva, a controvérsia vem sendo monetarizada com acordos em dinheiro. (cf. a respeito nosso estudo "Reparar os Danos Morais pelos Meios Morais in RDP". SP, Ed. RT; n.16, out/dez 2003, pág.37).
Assim, o principal meio para obter a Conciliação acaba sendo a Moeda. É a Moeda quem dá a satisfação para as partes em litígio, deixando de lado a possibilidade de reparações emocionais, psicológicas e similares, ou seja, in natura, monetarizando as soluções, o que é reflexo da nossa economia global capitalista.
A Conciliação não tem a pretensão se possibilitar profundas mudanças e transformações no modelo judicial de resolver controvérsias.
Contudo, na Mediação as coisas acontecem de um modo muito diferente da que ocorre na Conciliação, sem as limitações de Conciliação, como veremos a seguir.
6 - A Mediação
O Mediador diferentemente do Juiz, não dá sentença, diferentemente do árbitro não decide, diferentemente do Conciliador não estimula, nem faz propostas para chegar a um acordo.
O Mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. As partes é que encontram a solução para seus problemas, se autocompondo.
O procedimento de Mediação é não adversarial, não existe ninguém na Mediação com poder de decidir ou influenciar as decisões.
O Mediador pratica a escuta ativa, ouvindo os interessados, sem indicar a solução, ainda que o Mediador tenha a percepção da melhor saída para a controvérsia. O Mediador deixa o mediando escolher o seu caminho, sem fechar nenhuma possibilidade.
O Mediador é um terceiro mesmo, uma terceira parte, quebrando o sistema binário do litígio jurídico tradicional. Ajuda a buscar livremente soluções, indo além dos limites do litígio, a partir da controvérsia mediada.
Uma outra característica da Mediação é possibilitar a abordagem sensível do lado subjetivo do litígio, o lado oculto que toda controvérsia apresenta, o lado não verbal, o emocional, o que se esconde no conteúdo latente do conflito.
Na Mediação é essencial a percepção do conflito como um todo, para que as partes sintam e respeitem suas diferenças.
O sistema jurídico positivo procura muito mais estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados e obter a normalidade comportamental, através do Processo Judicial e da Conciliação, que atuam com base na lógica racional.
A Mediação atua em todos os níveis, é um procedimento ligado a uma visão sensorial da vida e não a lógica da razão, como já ressaltou Warat:
"Não é possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos, empregando a linguagem da racionalidade lógica. A mediação é um processo do coração; o conflito precisamos senti-lo ao invés de pensar nele; precisamos, em termos de conflito, sê-lo para conhecê-lo. Os conflitos reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isto é preciso procurar acordos interiorizados." (Warat, 2001, 35).
Na Conciliação busca-se o acordo, sem se preocupar se é interiorizado ou não.
Chegar ou não a um acordo, é uma consequência do procedimento de Mediação, não é sua finalidade.
Importa mais na Mediação a qualidade da comunicação e do relacionamento que se estabelece e/ou se restabelece entre as partes, para que aconteça o aprendizado com a controvérsia.
A Mediação tem, também, caráter transformativo, mas a partir das próprias partes envolvidas no conflito, ou seja:
"Se os terceiros sentem uma sensação de responsabilidade em produzir determinados resultados em suas intervenções, eles provavelmente não estarão atuando dentro da estrutura transformativa. Uma marca registrada importante da abordagem transformativa é que os mediadores e outros terceiros refutam conscientemente sentimentos de responsabilidade por gerar acordos, resolver o problema das partes, acalmar as partes ou por obter uma reconciliação entre ela. Ao invés disso, os terceiros que seguem uma estrutura transformativa se sensibilizam de modo a se sentirem responsáveis por gerar e apoiar um contexto para os esforços das próprias partes de deliberação, tomada de decisão, comunicação e tomada de perspectiva" (Schnitman, 1999, 89).
Nesse ponto também a Mediação é diferente da Conciliação.
A Conciliação não tem preocupação de possibilitar a transformação da situação controvertida, como acontece na Mediação.
A Conciliação visa, basicamente, a manutenção da ordem jurídica, eliminando, por acordo entre as partes, o litígio, de uma forma ou de outra, sem se preocupar com os sentimentos interiores das partes, nem com as demais decorrências sociais, econômicas, psicológicas e similares, simplificando a complexidade existente em todo conflito.
A crise atual do modelo oficial e tradicional de solução de conflitos é tão grande, que próprios Magistrados estão, aos poucos, reconhecendo a insuficiência da atuação do Estado, através do Processo Judicial e da Conciliação, para resolver conflitos.
Pode ser citado, em nome de todos, a ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Dra. Fátima Nancy Andrighi, que declarou, explicitamente:
"Por vivência, já temos a prova de que o sistema oficial do Estado de resolução de conflitos perdeu significativamente a sua efetividade, e, portanto, a busca do sistema paralelo para colaborar com o modelo oficial é não só oportuna como fundamental. Ao se examinar as formas alternativas de resolução de conflitos, observa-se que a Mediação é a que mais de destaca pelos benefícios que pode proporcionar e, por isso, deve receber nosso maciço investimento" (Revista AASP, 87, setembro/2006, pág.136).
Esse reconhecimento da Ministra do STJ sobre o valor da Mediação é muito importante para seu desenvolvimento no Brasil.
Mas para que isso aconteça a Mediação deve ser bem compreendida e diferenciada da Conciliação como estamos propondo nesta reflexão.
Nesse sentido, aprofundemos a análise da Mediação contemporânea, apresentando uma pequena visão das características de complexidade, de criatividade e de transdisciplinaridade, existentes e exigidas na Mediação.
7 - CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA MEDIAÇÃO: COMPLEXIDADE, CRIATIVIDADE, TRANSDISCIPLINARIDADE
Cada época tem seus problemas específicos e a Mediação vai evoluindo de acordo com a história. Nosso tempo vive a "Era da Complexidade e da Globalização" e os conflitos não podem ser entendidos fora desse contexto histórico.
Retirar a Mediação do atual momento Histórico é fazer o mesmo que a Ciência e o Direito vem fazendo com o conhecimento especializado, separando a parte do todo.
Vejamos, pois, três das características mais importantes da Mediação contemporânea: a complexidade, a criatividade e a transdisciplinaridade.
7.1 - Complexidade
A Mediação é complexa, porque diante de uma controvérsia, não exclui, a priori, nenhum elemento que possa ajudar na eventual solução, seja o aspecto normativo, emocional, social, ecológico, político. A complexidade significa, entre outras coisas, não separar a parte do todo, como ensina Morin:
"Complexus significa o que foi tecido junto; de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade" (Morin, 2000; 38).
Ora, quando se recorta uma parte do conflito transformando-o em controvérsia, como faz o Processo Judicial e a Conciliação, a complexidade é mutilada. A Mediação restaura a possibilidade de enfrentar a complexidade, que o Processo Judicial e a Conciliação simplificam. A especialização e os limites do Processo Judicial e da Conciliação deixam de lado aspectos importantes do conflito.
Por isso, pode-se afirmar que é muito mais difícil trabalhar com a Mediação do que com a Conciliação. Na Mediação a complexidade é maior, exige em preparo específico do Mediador que o ensino jurídico atual não está apto a dar. O Mediador tem de desenvolver múltiplas aptidões, que vão muito além do conhecimento do Direito Positivo.
7.2 - Criatividade
A Mediação exige criatividade, é como se fosse uma obra de arte. Cada vez que uma controvérsia é mediada acontecem fatos de um modo novo e diferente. Novo é que nunca antes se manifestou. Uma alternativa de solução, jamais pensada pelas partes, ocorre, frequentemente, num procedimento de Mediação.
A criatividade na Mediação, porém, não acontece como um milagre, mas é fruto de um processo criativo que poderia ser dividido em quatro etapas; preparação, incubação, insight ou iluminação, e verificação (Guswami, 2008,60).
A Preparação surge como um sentimento vago sobre um conflito e com a necessidade de reunir fatos e ideias sobre o conflito, pensar, soltar a imaginação e analisar a situação de todos os modos possíveis.
Incubação é a fase de relaxar, pois o conflito não vai desaparecer porque foi detectado. É preciso descansar, dormir, brincar, enfim, esquecer um pouco o conflito. Enquanto isso, embora não se perceba, alguma solução pode estar sendo consciente e /ou inconscientemente gerada na mente dos mediandos.
De repente, o insight, "eureka! Ah-ha!" é quando aparece o novo, a descontinuidade do conflito, a não causalidade, a criatividade e as soluções são visíveis.
Por fim a verificação do que é manifestado pelo insight é a fase de avaliar e "analisar a solução e terminar com um produto a novidade manifestada. Com a verificação, há também uma reestruturação do sistema de crenças, o repertório dos contextos aprendidos" (Guswami, 2008, 62).
Esse processo criativo pode acontecer em várias fases de tempo, não existindo uma regra objetiva para medir o surgimento da criatividade na Mediação. A criatividade é pessoal e cada mediando tem o seu tempo na Mediação.
Não é possível de um modo geral concluir uma Mediação rapidamente, como se fosse uma audiência de Conciliação. É necessário ser paciente e esperar.
A Mediação deixa fluir a intuição e a criatividade de todos os envolvidos no procedimento de Mediação.
O ofício do Mediador é se colocar junto com as partes, com o objetivo de ser criativo em conjunto, descobrir o que a situação conflitiva tem para transformar o conflito em uma nova situação.
O Mediador deve encarar o conflito mediado como uma dimensão de sua personalidade, mas sem se confundir com o conflito das partes, ficando atento à emoção que move todo conflito.
O Conciliador trata o conflito como algo externo, que não lhe diz respeito, como conflito que acontece independente de sua vontade e participação.
No caso de Mediador ele não se envolve no conflito como se fosse ele uma das partes, mas sim sente o conflito em todas as suas dimensões, percorre o conflito, com os mediandos nas suas sutilezas, para que sejam criados os novos caminhos que transcendam o conflito. O Mediador recebe os efeitos da Mediação em que participa e para isso deve ser preparado para atuar como Mediador. Ele é um canal por onde o conflito pode passar e ser trabalhado criativamente. É um catalisador, que reúne as partes, sem se confundir nem a aderir a nenhuma delas.
Contudo, não é a pessoa do Mediador, isoladamente, que origina a criatividade, mas a própria prática da Mediação. A Mediação é criativa por si mesma, pelo modo de abordar a controvérsia, dando uma dinâmica nova para as relações entre os mediandos, deixando que eles exercitem o poder de decidir.
Pode-se dizer que Mediação bem feita sempre é produtiva, mesmo que não haja êxito na solução da controvérsia. A Mediação pode apenas possibilitar novos comportamentos, inovações criativas e inesperadas que serão usadas pelos mediandos nos momentos vitais que acharem melhor.
Sem criatividade a Mediação não pode acontecer e isso leva tempo. O processo judicial e a conciliação também levam tempo, e ainda por cima, não possibilitam a criatividade que a Mediação possibilita. Sob esse aspecto também é preferível a Mediação.
Em síntese, a criatividade é um componente essencial da Mediação, que valoriza e diferencia muito a Mediação em comparação com a Conciliação.
7.3 - Transdisciplinaridade
A Mediação rompe com a separação das disciplinas que, isoladamente, não mais respondem às necessidades do conhecimento. O conhecimento deve ser transdisciplinar, ou seja, vai muito além da junção de disciplinas, buscando o que há de comum em todas.
A Mediação é transdisciplinar, um modo de construir um conhecimento unificado, de fazer pontes entre vários tipos de abordagem. Por isso exige dos Mediadores muito mais do que a simples especialização, como juristas, ou como psicanalistas, ou sociólogos e afins. Exige a apreensão do fenômeno conflitivo como um todo indissociável e transdisciplinar.
Desde 1994, existe um Manifesto da Transdisciplinaridade, fruto do Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade realizado em Portugal, que resume essa questão e do qual destacamos alguns artigos que ilustram, pedagogicamente, a necessidade do conhecimento transdisciplinar, a saber:
Artigo 1 - Toda tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo em estruturas formais é incompatível com a visão transdisciplinar.
Artigo 5 - A visão transdisciplinar é decididamente aberta na medida em que ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua reconciliação, não só com as ciências humanas, mas com a filosofia, a arte, a literatura e a poesia.
Artigo 8 - Todos ser humano tem direito a uma nacionalidade. Mas enquanto habitante da Terra, é um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional a essa dupla pertença-a uma nação e à Terra constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar.
Artigo 11 - A verdadeira educação não privilegia a abstração do conhecimento. Ensina a contextualizar, a concretizar e a globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade do corpo na transmissão dos conhecimentos.
Esses objetivos da Transdisciplinaridade são pontos estruturais que a Mediação procura também desenvolver, na medida em que trabalha, abertamente, com a produção e o respeito às diferenças entre as pessoas e com o potencial transformador do conflito, encarado sempre como um todo, sem dissolver o ser humano em estruturas formais, como faz a Ciência e o Direito.
A Mediação aceita a imperfeição, a precariedade das soluções, a incapacidade humana de entender e solucionar o conflito. A Mediação faz o elogio do conflito como algo bom e necessário para a vida, sem ter a arrogância científica de dar respostas definitivas sobre o mundo.
Há cientistas que reconhecem isso, como é o caso do conhecido físico brasileiro Marcelo Gleiser:
"Jamais poderemos saber tudo sobre o mundo. Qualquer afirmativa ao contrário demonstra apenas arrogância de nossa parte. Portanto, qualquer projeto de unificação total da natureza mesmo ao nível da física fundamental está fadado ao fracasso. A unificação final, ou a Teoria Final, mesmo restrita à física, é impossível. A crença de que o pensamento humano, limitado como é, pode vislumbrar a verdade final, vem de uma longa tradição religiosa que nutre nossos sonhos de sermos mais do que humanos, de sermos oniscientes como deuses de podermos transcender a nossa limitação espaço-temporal" (Gleiser, 2010, 187,188).
Diante do conflito, a Mediação não espera uma resposta, nem uma posição correta a ser adotada. A Mediação admite que o Conflito é indecifrável e insolúvel, tratando-se apenas de acompanhá-lo e trabalhar com a sua força vital transformadora.
O Conflito, de certo modo, reduz o ser humano a sua dimensão imperfeita e inacabada, representa a falta que não pode ser preenchida pela sabedoria racional, mas que pode ser sentida como uma oportunidade de crescimento da responsabilidade pessoal.
A Mediação é um modo transformador, amoroso e ecológico de lidar com os conflitos.
A Mediação é um espaço privilegiado para a construção de uma transdisciplina, a partir da constatação da permanência do conflito e da abertura a múltiplas alternativas, dentro de uma perspectiva de permanente reconstrução afetiva.
8 - Utilização da Mediação e da Conciliação
Nem todos os conflitos podem ser resolvidos pela Mediação, é preciso deixar isso bem claro. As partes devem aceitar, querer, aderir, com toda espontaneidade, ao procedimento de Mediação.
A Medição não é uma fórmula mágica de solução de conflitos, mas é sim, um modo não-adversarial de encarar o conflito, respeitando a liberdade e as diferenças dos seres humanos.
Especificamente, em certos conflitos, talvez, a Mediação deva até ser evitada. O Mediador pode e deve dar por encerrados conflitos em que perceba a inutilidade da Mediação. A Mediação só funciona enquanto as partes estejam abertas para encontrar seus próprios caminhos.
Encontrada a solução, quando as partes chegam a um acordo ,numa Mediação, podem redigir um Contrato de Transação, na forma do artigo 840 do Código Civil (art. 840 - É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas). O acordo escrito terá plena validade para execução do que foi transacionado.
Podem os interessados também, querendo, submeter o acordo da Mediação para homologação do Juiz competente, como previsto no Código de Processo Civil.
A Mediação pode preceder a Conciliação, pode preceder a Arbitragem, através da cláusula contratual escalonada de solução do conflito, livremente, pactuada entre as partes: primeiro a Mediação, depois a Conciliação, e se nada der certo pode ser usada a Arbitragem.
Como filosofia de vida, a Mediação, genericamente, é muito mais um modo de encarar a existência humana no Cosmos, sem imposição de dogmas, valorizando e reconhecendo as diferenças entre as pessoas. A Mediação abre a possibilidade de autonomia na decisão dos conflitos, num momento em que cada vez mais a intervenção do Estado no sistema político e econômico global, dita as regras do comportamento individual e coletivo.
Acreditamos, assim, que: "A Mediação existe para ajudar qualquer um a ser livre; a mediação é a arte de viver, o reencontro para a liberação de cada um (Six, 2002, 127)". Entre duas pessoas que se falam, existe uma relação que mostra que o ser humano é um ser de relação, justamente, que essa duas pessoas não são o resultado da adição de dois "eus", mas que elas formam um "nós" sem que nenhuma das duas seja destruída" (Six, 2002,128).
A Mediação, nesse sentido, tem caráter libertário, é um instrumento de mudança da estrutura social no rumo da solidariedade e não no rumo da dominação e da competitividade.
Na prática, os procedimentos de Mediação, normalmente, tem sido feitos pelas Câmaras de Mediação que possuem seus regimentos e normas. O Mediador pode também atuar sozinho, independentemente de estar vinculado a uma entidade.
Começam também a aparecer no Brasil, Casas de Mediação nas Universidades, cabendo citar a pioneira Casa de Mediação da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, na Capital de São Paulo, iniciada no ano de 2010, como um exemplo de desenvolvimento da Mediação no meio universitário brasileiro.
A Conciliação tem recebido muito estímulo do Poder Judiciário. Dessa forma, neste momento, achamos necessário que a Mediação deva, igualmente, ser mais incentivada, principalmente nas Universidades, nos cursos de Direito sobretudo, pois é o meio mais completo de tratamento de conflitos.
9 – Concluindo: O Elogio da Mediação
Há muitos anos temos praticado a Mediação na nossa vida profissional. Isso nos permite fazer o elogio da Mediação como prática e como um modo de ajudar nas transformações da nossa era contemporânea.
Na Mediação as conclusões estão sempre se refazendo, não há conclusões definitivas. Há uma dinâmica permanente, sempre se está concluindo e, ao mesmo tempo, recomeçando. Tal como o conflito, a Mediação não tem fim. É um caminho que se faz ao caminhar.
Sua base é a autocomposição das partes, sem julgamento por um terceiro, sem a indução da conciliação, sem as interferências de um poder externo, apenas com o poder interno de cada um.
Na Mediação cada parte é respeitada como igual, sem pré-qualificação entre culpados e inocentes, não há adversários, mas seres humanos iguais.
A Mediação está fora do sistema jurídico, ela está no sistema vital, não depende de nenhum Poder para existir. Mas seus resultados podem ser transformados em acordo judiciais, homologados pelos Juízes, quando as partes assim desejarem.
A Mediação é transdisciplinar, um modo contemporâneo de construir um conhecimento unificado, de fazer pontes entre vários tipos de saberes. A Mediação movimenta o olhar de um lado para outro, sem fixar a visão num único tipo de abordagem.
Por isso exige dos Mediadores muito mais do que simples especialização como juristas, ou mesmo como psicanalistas, ou sociólogos e afins. Exige a apreensão do fenômeno conflitivo nas suas múltiplas faces, sem mutilações, nem exclusões, com muita sensibilidade, intuição e amor.
A Mediação pode ser considerada um novo paradigma para abordar o conflito, podendo substituir a hegemonia do Processo Judicial e da Conciliação, em suas diferentes formas.
É difícil aceitar que, após tanto tempo de normativismo e ativismo judicial, os Estados de Direito continuem alimentando a pretensão de resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só pela regulamentação jurídica, pela cultura da sentença judicial e pela Conciliação.
Mediar é preciso. Aprender com o conflito e ir sempre além dos limites do conflito, pois a vida exige sempre mais criatividade, energia e solidariedade. Desenvolver a transdisciplinaridade. Mediar para transformar. Transmediar.
É necessário, mais do que nunca, incentivar e fazer o elogio da Mediação.
BIBLIOGRAFIA CITADA:
FERRAZ Jr., Tércio Sampaio- Função Social Da Dogmática Jurídica. SP, R T, 1980.
GLEISER, Marcelo-Criação Imperfeita, SP, Record, 2010.
GOSWAMI, Amit – Criatividade Quântica, Trad. Cassia Nasser, Marcelo Borges, SP, Aleph, 2008.
JAPIASSU, Hilton- O Sonho Transdisciplinar, RJ, Imago, 2006
MORIN, Edgar-Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortes Brasilia, DF, UNESCO, 2000.
BENASAYAG, Miguel – Éloge Du Conflit, Paris, E. La Decouverte, 2007
SANTOS, Boaventura de Souza - A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, São Paulo, Cortez, 2000.
SCHNITMAN, Dora. STEPHEN, Littlejohn-Novos Paradigmas em Mediação. Porto Alegre, Artmed, 1999.
SIX, Jean François- Mediation, Paris, Ed. Du Seuil, 2002
WARAT, Luis Alberto- O Ofício do Mediador. Florianópolis, Habitus, 2001.